Crónicas

O bom, o mau e a meloa

O Presidente do PS conseguiu, de uma assentada, colocar-se nos dois papéis. Mau juiz e insólito investigador

A recusa do Partido Comunista Português em participar no minuto de silêncio em homenagem as vítimas da guerra na Ucrânia chocou o País. Também é chocante que haja quem, só em 2023, tenha descoberto o que representa um partido comunista. Não é por acaso que, em todos os regimes comunistas, tenha faltado – sempre – liberdade de imprensa, eleições livres ou partidos da oposição. Nem sequer que a utopia tenha terminado – sempre – em fome e no colapso económico do país. Não há comunistas amigáveis, da mesma forma que não há fascistas moderados. Nunca é tarde demais para aprender essa lição.

O bom: Filipe Câmara

Há alertas que passam despercebidos ou que, pelo menos, não merecem o devido destaque. É o caso do aviso, feito em jeito de desabafo, de Filipe Câmara, Presidente do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira. Por hora da apresentação do relatório anual da Comarca, o seu Presidente apontou o que todos, especialmente quem trabalha diariamente nos tribunais, sabem amiúde. Há uma gritante falta de funcionários judiciais nos tribunais da Madeira. Não se trata, apenas, de um quadro de pessoal subdimensionado para o volume de trabalho, mas da triste conclusão que nem esse número de vagas está totalmente preenchido. De um número previsto de 147 funcionários judiciais, somente 137 estão em funções nos vários serviços e juízos da Madeira. Se o quadro previsto de funcionários seria, por si, deficitário, então um quadro incompleto representa um obstáculo diário ao normal funcionamento de qualquer comarca. E isso não é um cenário hipotético. É a realidade vivida, hoje em dia, nos nossos tribunais. A carestia de recursos humanos afeta, não só os cidadãos que recorrem aos serviços judiciais, mas também os funcionários que, todos os dias, se desdobram para cumprir o papel de colegas que o Estado previu mas não contratou. Perante os sucessivos pedidos de reforço de pessoal, o Governo da República nem se dignou à resposta. Não se trata, por isso, de um problema meramente orçamental, mas de profundo desprezo político pela Justiça.

O mau: Sérgio Gonçalves

Se ninguém é bom juiz em causa própria, pior investigador será, se tiver interesse no alvo da investigação. Na inusitada comissão parlamentar de inquérito à entrevista de Sérgio Marques, o Presidente do PS conseguiu, de uma assentada, colocar-se nos dois papéis. Mau juiz e insólito investigador. É regra das comissões de inquérito que os deputados que as integram declarem, antes do início dos trabalhos, a existência de qualquer ligação pessoal com o objeto da investigação. Feita essa declaração, caberá à Assembleia avaliar a existência de algum conflito de interesses entre o deputado e o objeto da comissão. Percebe-se que assim seja. Por um lado, que o deputado declare, de forma transparente, o seu registo de interesses, e por outro, que não seja o próprio a avaliar se daí resulta algum conflito. É absolutamente trágico que, num inquérito suscitado pelo PS, Sérgio Gonçalves tenha falhado nos dois momentos. Primeiro quando omitiu, de forma deliberada, as relações profissionais que manteve com um dos grupos económicos objeto de inquérito. E depois, quando confrontado com a omissão, tenha sentenciado que da relação omitida não resultaria qualquer conflito de interesses com a investigação. A confortável impunidade de Sérgio Gonçalves, transformada em auto-absolvição, é um atentado grave à credibilidade da comissão de inquérito e uma nódoa evitável no perfil do líder do PS. Não que o currículo no setor privado diminua a capacidade política de Sérgio Gonçalves - muito pelo contrário - julgo até ser a sua mais-valia, mas não permite que esteja acima das regras mais básicas da democracia. Imagine o que seria um ex-administrador da TAP a participar no inquérito à gestão da companhia aérea ou se o ministro da Defesa fizesse parte da comissão que investigou o furto de material militar em Tancos. Seria como deixar a raposa a cuidar do galinheiro.

A meloa: Marina Gonçalves

Não houve saltinhos, a lembrar o prometido ferry que nunca veio, mas a dimensão do anúncio tê-los-ia justificado. Corria o ano de 2015, o PS derrotado tinha acabado de assumir o governo do País e António Costa concretizava o que tinha prometido na campanha eleitoral. O Governo iria investir 1400 milhões de euros para reabilitar 7500 casas para habitação. Passaram-se sete anos e o Governo não foi capaz de reabilitar uma única habitação. Nem uma. Este ponto prévio é necessário para percebermos como chegámos a 2023 e ao PREC habitacional apresentado por António Costa. O novo gonçalvismo, agora sem o companheiro Vasco mas com a ministra Marina, propõe-se, entre outras pulsões marxistas, a fazer habitação social da propriedade privada. O melão, como Marcelo apelidou a nova política de habitação do Governo, é vendido em conjunto com a sua meloa - a ministra Marina Gonçalves - a quem coube explicar a deriva comunista do PS. Deixemos a ideologia e o ativismo das casas vazias de parte. A verdadeira questão é prévia a tudo isso. O Governo que não foi capaz de reabilitar uma única casa das 7500 prometidas, que tem um dos menores parques públicos de habitação da Europa e que prometeu apoiar 26 mil famílias no programa de acesso à habitação, mas só conseguiu chegar a 263, agora vai inventariar, avaliar, tomar posse, arrendar, subarrendar e cobrar rendas de mais de 700 mil casas que não são suas. Não vai, nem sabe como fazê-lo.