Crónicas

O bom, o mau e os desmemoriados

D. António Ferreira Gomes, bispo do Porto que fez frente a Salazar, enrubesceria com as declarações do seu sucessor

A estratégia é antiga. Perante um facto político negativo, arranja-se um escândalo ainda pior sobre o adversário. Como os escândalos não abundam, a sua fabricação virou arte especializada e bem paga. Foi assim com o fracasso da nacionalização da TAP. Perante o debacle socialista, surgiu uma conveniente historieta de 2019 sobre Neeleman e a fonte do dinheiro que teria servido para financiar o negócio. A rábula desmonta-se desta forma. Neeleman queria comprar a TAP. O Estado queria vendê-la. Neeleman negociou com a Airbus o adiantamento do dinheiro para pagar a compra. O Estado recebeu o dinheiro e vendeu a TAP. A TAP ficou com a obrigação perante a Airbus. Onde é que está o problema para o Estado? Obviamente que não pode querer a TAP de volta. Isso seria uma estupidez. Não seria?

O bom: O lucro e as empresas

Somos um país invulgar. Esta semana, a turba da indignação dirigiu a sua fúria à Galp e ao anúncio de que a empresa teria tido, em 2022, 881 milhões de euros em lucros. Por sinal, um recorde. À esquerda, gritaram-se palavras de ordem contra o capitalismo, exigiram-se impostos extraordinários sobre a empresa e o Partido Comunista, do alto do seu charlatanismo económico, sugeriu a nacionalização imediata da Galp. Não se sabe se os comunistas queriam deitar mão aos lucros ou acabar com eles à custa da eficiência da gestão pública. O episódio, apesar de profundamente superficial quanto à Galp, é sintomático de um estado de espírito nacional. Por cá, o lucro é mal visto. Mais do que pecado, praticado contra o povo, o lucro é sinal de avareza, de exploração dos trabalhadores. Aqui, o sucesso empresarial castiga-se com impostos e a sobrevivência depende do saque profissionalizado aos fundos europeus. A censura do lucro é, ela própria, geradora de insolvências anunciadas e de salários estagnados. Tudo porque nos esquecemos de uma premissa fundamental. É nas empresas que um país se valoriza e é lá que se cria a riqueza que permite aumentar os salários. Tudo isto deveria estar acima da partidarite crónica. Ao contrário do que nos vendem, a economia não se faz por decreto governamental. Por isso, merecem reconhecimento a Empresa de Cervejas da Madeira, que aumentou em 5,5% o salário a todos os seus funcionários, o Grupo Pestana, que aumentou a remuneração mínima dos seus trabalhadores para 1000 euros, e todas as outras empresas que escolheram valorizar o seu capital humano. Fizeram-no por opção, é certo, mas só o conseguiram porque – imagine-se – tiveram lucro.

O mau: D. Manuel Linda, Bispo do Porto

D. António Ferreira Gomes, bispo do Porto que fez frente a Salazar, enrubesceria com as declarações do seu sucessor, D. Manuel Linda, a propósito dos abusos a crianças na Igreja. Primeiro, perante a possibilidade de criação da Comissão independente, comparou-a com a necessidade de criar uma comissão para “estudar os efeitos do impacto da queda de um meteorito na cidade” – desnecessária. Mais recentemente, deixou claro que não se sentia na obrigação de denunciar qualquer caso de abuso sexual, na medida em que não se tratariam de crimes públicos. O sentimento de aparente impunidade ultrapassa a ignorância jurídica. Entretanto, D. Manuel Linda arrependeu-se do que disse e retratou-se de todas as polémicas declarações. Não tenho o direito de duvidar da sua sinceridade. O arrependimento é o primeiro passo. Talvez o mais importante, porque implica reconhecimento do mal feito e compromisso com um futuro diferente. Mas a D. Manuel Linda, e a toda a Igreja, não lhes basta um ato de contrição. As conclusões, cruéis e aterradoras, da Comissão independente são um ponto de partida e nunca um porto de absolvição da Igreja. Não há abuso sexual sem ocultação. E essa constatação tem de ter consequências. Para os que abusaram e para os que ocultaram o abuso. Não se trata de confundir a árvore (podre) com a floresta, apenas a certeza inabalável de que, na Igreja, nada poderá ser como dantes. A começar pela conivência silenciosa. O silêncio eclesiástico que ensurdece é o mesmo que encobriu e, por maioria de razão, facilitou os abusos sexuais de que a Igreja agora se penitencia.

Os desmemoriados: PCP e Bloco de Esquerda

À descida da Avenida da Liberdade, um breve olhar à primeira linha da manifestação nacional de professores não causaria espanto. Mário Nogueira, líder espiritual da Fenprof, Paulo Raimundo, secretário-geral do PCP e Catarina Martins, coordenadora do Bloco de Esquerda. Os partidos mais à esquerda, solidários com os professores. Nada de novo, não nos fossemos lembrar do que se passou entre 2015 e 2021 no governo do país. À exceção da peça de teatro de 2019, em que Bloco e Partido Comunista contaram com a azelhice de Rui Rio para branquearem a sua responsabilidade na contagem integral do tempo de carreira aos professores, a reivindicação que hoje convoca solidariedade da esquerda, durante 4 anos apenas mereceu a sua indignação seletiva e estratégica. Aos partidos menores da geringonça, bastaria fazer depender a contagem integral do tempo de carreira dos professores da aprovação de qualquer um dos quatro Orçamentos do Estado viabilizados e o problema estaria resolvido. Nunca o fizeram. Optaram sempre pela indignação ruidosa mas inconsequente para os professores. Hoje, descem a Avenida da Liberdade plenos de solidariedade e imaculados de responsabilidade. Os portugueses e os professores não se esquecem.