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A base de toda a humanidade

Com todo o respeito que tenho pelas reivindicações da classe profissional dos professores, algumas idênticas às da minha profissão, continuo a ter pouca informação sobre novos pensares que facilitem mudanças estruturais no sistema educativo. Talvez porque a comunicação social, presa ao imediatismo das notícias e ao sensacionalismo do momento, tem prestado pouca atenção ao tema, ou porque não existem de facto ideias concretas, que numa responsabilidade partilhada, congreguem os interesses do governo e dos professores numa mudança que urge, para o bem colectivo.

Vários estudos, na área da saúde mental, relativos ao desenvolvimento das crianças e jovens, têm vindo a concluir que alguns dos desvios mais frequentes, nomeadamente diagnósticos de hiperatividade e défice de atenção, ansiedade generalizada com consequências no desempenho, estados depressivos e mesmo perturbações do espectro do autismo, são consequências do ritmo frenético da sociedade atual, com altos níveis de exigência para todos, cujos mecanismos de defesa e proteção, provocam alterações ou desvios ao considerado funcionamento esperado. Há uma necessidade de adaptação.

Muitos dos jovens que acompanho, com diferentes idades e níveis de desenvolvimento, apresentam dificuldades de adaptação ao ensino tradicional. Desde os alunos com dificuldades aos alunos excelentes, fica a sensação que a escola não facilita o desenvolvimento nem os prepara para a realidade atual. Se uns vão desmotivando ficando progressivamente mais distantes e desajustados dos objetivos, outros não conseguem descentrar-se do que deles esperam e ficam obsessivamente focados nos resultados, exigindo de si próprios apenas altos níveis de desempenho. Os alunos médios que aparentemente parecem estar mais adaptados, encontrando o seu ponto de equilíbrio, são frequentemente alvo de pressões, para evoluírem para os altos níveis de exigência. Penso que é fácil para qualquer adulto, com experiência de vida, na sociedade atual, entender que a realidade social, nacional e internacional, é tudo menos tranquila e organizadora. Exige-se aos mais jovens que sejam competentes e excepcionais para em breve integrarem a realidade social e profissional onde prolifera a incompetência e a mediocridade, para além de outros valores que em nada dignificam a sociedade em que vivemos.

Por isso a escola tradicional tem que se repensar, integrar e adaptar de forma a poder, a médio prazo, colaborar para a felicidade e bem estar dos seus alunos. Hoje, preparar para o futuro é preparar para a incerteza, para a instabilidade. Há uma mudança de paradigma que a escola tradicional ainda está longe de integrar e talvez mesmo de aceitar.

Os alunos do ensino profissional ou currículos alternativos são mais felizes na escola. Sentem -se mais incluídos. Sentem a pessoa à frente do resultado e isso dignifica-os e promove bem estar. Melhora a autoestima, o sentimento de pertença, a inclusão. Diminui a pressão, a ansiedade, a depressão. Tornam-se progressivamente mais saudáveis, mais motivados, mais atentos, menos hiperativos. Descobrem mais facilmente as suas aptidões. Percebem melhor como se dirigir para o futuro, sem ficar com o presente pendurado, num tempo de espera irrecuperável. Muitos destes jovens que no ensino tradicional estavam no grupo do insucesso, conseguiram, nesta mudança de paradigma, reconstruir o seu caminho, integrar a formação académica e licenciar-se com excelentes resultados. Outros encontraram profissões onde se sentem capazes, recompensados e felizes. Não é preciso sofrimento para atingir bons resultados, basta orientar, conduzir, facilitar, respeitando a ideia de que a perfeição é uma utopia.

A felicidade não é um estado contínuo é uma sequência de bons momentos de interação que vão marcando a vida. Nada é como antigamente, porque tem a escola tradicional de continuar a ser. Porque se torce o nariz a várias propostas de inovação com aquele jeitinho desconfiado, quando já existem tantos exemplos de sucesso? Entendo que é mais fácil aceitar a mudança quando o objetivo é olhar para o que perturba. Tenho pena que ainda muita gente não tenha percebido o mal que faz aos seus jovens, privando-os de um crescimento mais completo e harmonioso. A infelicidade que se observa, cada vez com mais frequência em diversas áreas da vida social, resulta desta incapacidade, já crónica, de olhar para o que de facto é fundamental para o desenvolvimento humano.

Espero que os professores consigam com êxito as suas reivindicações para que gradualmente surjam condições para o nascer de um novo paradigma no ensino em Portugal. Os professores merecem todo o respeito, e os alunos também. É e será sempre este coletivo a base de toda a humanidade. Estaremos sempre juntos para que se cumpra o objetivo.