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O pobre e as moscas *

- Não afastes as moscas! Estas já estão fartas, apenas repousam na perna, não fazem mal algum

As moscas fartas não fazem mal.

Francisco Pyrard foi um navegador francês que viajou pelo oriente, no séc. XVII, e escreveu sobre os costumes e cultura da Ásia. Sobre a Índia portuguesa deixou-nos, também, algumas histórias, entre as quais a seguinte.

As comissões

Desde o séc. XV, foram muitos os vice-reis, governadores, capitães de fortaleza e outros oficiais, os quais eram nomeados em comissões de serviço e substituídos ao fim de dois ou quatro anos, alguns nem um ano lá permaneciam. Era difícil a adaptação a diferentes climas, mentalidades, com distintos costumes e tradições.

No final de cada comissão, de regresso a casa, muitas eram as arcas embarcadas contendo peças de vestuário, artesanatos, recordações e produtos vários que eram trazidos para a metrópole.

Os habitantes locais, incluindo os portugueses que lá viviam, não viam com bons olhos estas constantes substituições e, por isso, passaram a contar esta história do pobre e as moscas.

O pobre e as moscas

Um pobre encontrava-se à porta de uma igreja a pedir esmola. O homem fazia questão de expor bem à vista as pernas com várias chagas que faziam compaixão.

Alguém reparou que as chagas estavam cobertas de moscas, mas, estranhamente, o pobre nada fazia para as afastar, facto que causava incómodo às pessoas que ali passavam.

A certa altura um transeunte, pensando estar a fazer uma boa ação, aproximou-se e fez um gesto para enxotar as moscas, mas o pobre logo gritou para o cidadão:

- Não afastes as moscas! Estas já estão fartas, apenas repousam na perna, não fazem mal algum. Pelo contrário – acrescenta o pobre – se enxotares estas, virão outras moscas mais famintas que picarão mais e causarão maior mal às minhas pernas!

* Baseado no livro Viagem de Francisco Pyrard - contendo a notícia de sua navegação às Índias Orientais, 1601-1611.