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Anunciada detenção de vários estrangeiros ligados a manifestações no Irão

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As autoridades iranianas anunciaram ontem a detenção de vários estrangeiros ligados, alegam, ao movimento de contestação desencadeado pela morte de uma jovem detida pela polícia da moralidade, que está a entrar na sua terceira semana.

Os protestos, cuja repressão fez pelo menos 83 mortos, começaram depois da morte, a 16 de setembro, de Mahsa Amini, uma jovem curda iraniana, três dias após a sua detenção por infração do severo código de indumentária do Irão, que obriga nomeadamente as mulheres a envergar o véu islâmico de forma a cobrir totalmente o cabelo.

O poder, que nega qualquer envolvimento das forças da ordem na morte da jovem de 22 anos, está a punir os manifestantes classificados como "rebeldes", relatando centenas de detenções.

Num comunicado, o Ministério das Informações iraniano anunciou a detenção de "nove cidadãos da Alemanha, da Polónia, de Itália, de França, dos Países Baixos, da Suécia, etc.", precisando que foram presos "nos locais dos tumultos ou estiveram neles envolvidos".

Desde o início das manifestações, as autoridades iranianas acusam forças no estrangeiro, entre as quais os Estados Unidos, seu inimigo figadal, de estarem por detrás dos protestos ou de os incitarem.

Ao mesmo tempo, a Iran International, uma estação televisiva em persa sediada em Londres, divulgou hoje vários vídeos mostrando a repressão de manifestações.

"Morte ao ditador", gritam mulheres de cabeça descoberta na cidade de Ardabil, no noroeste do país, num dos vídeos. Em Avaz, no sudoeste, as forças de segurança atiram granadas de gás lacrimogéneo para dispersar as muitas pessoas que saíram à rua para repetir palavras-de-ordem contra o Governo, segundo outras imagens.

Em Zahedan, na província de Sistão-Baluchistão (sudeste), homens foram baleados quando estavam a atirar pedras a uma esquadra policial, de acordo com outras imagens transmitidas pela Iran International.

O comissário da polícia do Sistão-Baluchistão indicou à televisão oficial que três esquadras daquela província tinham sido atacadas, sem fornecer qualquer balanço de vítimas.

A organização não-governamental (ONG) Iran Human Rights, com sede em Oslo, Noruega, afirmou que algumas pessoas tinham sido mortas em Zahedan.

Paralelamente, a televisão estatal iraniana afirmou que homens armados tinham hoje aberto fogo e lançado 'cocktails' molotov sobre uma esquadra policial, acrescentando que os distúrbios fizeram 19 mortos, entre os quais "o oficial provincial encarregado das informações da Guarda Revolucionária Islâmica, o coronel Ali Mussavi".

O governador regional Hossein Khiabani indicou à estação televisiva que, no total, 19 pessoas tinham sido mortas e 20 tinham ficado feridas "no incidente", entre agentes e transeuntes.

Segundo a agência de notícias iraniana Fars, cerca de 60 pessoas foram mortas desde o início dos protestos, ao passo que a ONG Iran Human Rights referiu pelo menos 83 mortos.

A Amnistia Internacional denunciou o recurso pelas forças de segurança a um grau de violência "implacável", descrevendo a utilização de munições verdadeiras e de chumbo, espancamentos e violência sexual sobre mulheres.

As autoridades anunciaram a detenção de mais de 1.200 manifestantes desde 16 de setembro. Ativistas, advogados e jornalistas foram igualmente detidos, segundo várias ONG.

Uma mulher que estava a almoçar sem véu num restaurante de Teerão, cuja foto se tornou viral nas redes sociais, foi detida, declarou hoje a sua irmã.

As forças de segurança detiveram igualmente o cantor Shervin Hajipur, cuja canção "Baraye" ("Por"), composta por 'tweets' (mensagens na rede social Twitter) sobre as manifestações, se tornou viral na rede Instagram, segundo o grupo de defesa dos direitos humanos Artigo 19 e meios de comunicação social persas com sede fora do Irão.

De acordo com a Comissão para a Proteção dos Jornalistas, sediada em Washington, pelo menos 29 jornalistas foram detidos no âmbito desta ação de repressão, condenado em várias capitais ocidentais, onde decorreram concentrações de solidariedade com o movimento de contestação. Mais manifestações estão convocadas para sábado em 70 cidades de todo o mundo.

Cineastas, atletas, músicos e atores iranianos expressaram a sua solidariedade com os manifestantes, e também a seleção nacional de futebol.

Em entrevista à revista norte-americana Time, uma prestigiada advogada iraniana, Nasrin Sotudeh, afirmou esperar que as manifestações prossigam.

"O que o povo [iraniano] quer é uma mudança de regime", disse a laureada com o prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento, atribuído pelo Parlamento Europeu.

A advogada foi condenada a 38 anos de prisão, mas encontra-se atualmente na sua casa, em Teerão, por razões médicas.

"E aquilo que podemos ver nas manifestações e nas greves agora em curso representa uma verdadeira possibilidade de mudança de regime", considerou.

Estes protestos são os maiores desde os de novembro de 2019, provocados pelo aumento dos preços dos combustíveis e que foram também severamente reprimidos.

Um painel de advogados estrangeiros que está a investigar a repressão das manifestações no Irão em 2019 acusou hoje o Governo e as forças de segurança da República Islâmica de "crimes contra a Humanidade".

Mahsa Amini foi presa a 13 de setembro em Teerão por "trajar roupas inadequadas", segundo acusou a polícia dos costumes, uma unidade encarregada de fazer cumprir o rigoroso código de indumentária das mulheres na República Islâmica.

Além da obrigatoriedade de cobrir o cabelo em público, no país, a polícia fiscaliza ainda as mulheres que usam casacos curtos, acima do joelho, calças justas e 'jeans' com buracos (ou rotos), além de roupas coloridas, entre outras regras.

A jovem entrou em coma enquanto se encontrava sob custódia policial e morreu três dias depois, a 16 de setembro, num hospital, relataram a televisão estatal e a família da vítima.