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A arte do cancelamento

Quem utiliza frequentemente as redes sociais (ou seja, praticamente toda a gente), já se deparou com a “arte do cancelamento”. E mesmo que não as utilize, certamente já se

cruzou com esta “arte” ; que começa a aparecer, de forma mais ou menos subtil, no nosso quotidiano.

Mas o que é isto da “arte do cancelamento”? Basicamente, consiste em cancelar tudo aquilo

de que não gostamos, ou aqueles que não pensam da mesma forma que nós. Cancelar aquilo/aqueles que têm uma opinião diferente da nossa.

São habituais as “indignações generais” por parte de pessoas ditas influentes (não sei o

porquê de assim serem consideradas), que aproveitam todos os temas possíveis e

imagináveis, sobretudo aqueles que não têm a mínima importância para a sociedade, de forma a se manterem na crista da onda social.

A mais recente “indignação social” é referente a um comentário, sobre a lei do aborto nos Estados Unidos da América, de um jovem que fundou uma marca portuguesa de

suplementos desportivos, bastante conhecida. Ora, o comentário é, lá está, um comentário… é uma opinião de uma pessoa. Como este, vemos e ouvimos milhares de opiniões, algumas mais, outras menos, ridículas e estúpidas… O que temos que fazer é refutar… contra-argumentar… ou simplesmente ignorar… não censurar e cancelar.

Após esse tal comentário, várias pessoas ditas influentes (continuo sem saber o porquê de assim serem consideradas), vieram a anunciar o cancelamento das parcerias e acordos que tinham com a tal marca, com a justificação de não concordarem com as palavras do jovem… Acharam que iriam conseguir destruir, creio eu, o trabalho do rapaz, quando na realidade, o que fizeram foi dar-lhe tempo de antena e publicidade gratuita (como alguns políticos fazem).

Atualmente, vivemos com um medo terrível de sermos vítimas desta “arte do cancelamento”. Muitas vezes, temos medo de dizer aquilo que realmente pensamos, por causa de uns “justiceiros sociais”, diria até “verdadeiros heróis do moralismo”, que habitam

escondidos atrás de um qualquer ecrã, e cuja sua única e exclusiva atividade é cancelar, censurar, proibir e destruir tudo aquilo que desvia 1 milímetro da sua linha de pensamento.

Acham-se no direito de passar um risco de lápis azul em cima de tudo o que não é “politicamente correto”.

Um outro caso, apesar de não ser português, mas que se aplica nesta “arte do cancelamento”, foi o de um famoso ator, acusado de violência doméstica (entretanto

ilibado), que perdeu uma fortuna com o cancelamento de vários futuros trabalhos, ainda o

julgamento decorria em tribunal…

Com o 25 de abril de 1974 e 25 de novembro de 1975, obtivemos algo importantíssimo para

aquilo que definimos de “democracia”… a liberdade de expressão. Ainda nem passados 50 anos, estamos (sobretudo os que não viveram a época que antecedeu as datas referidas

acima) a dar cabo dessa liberdade para expressarmos aquilo que pensamos, com discursos

e ações que visam o cancelamento e a censura de algo ou alguém.

Eu não quero ser proibido de pensar, de opinar, e de criticar - e acredito piamente que o

leitor também não - porque eu não quero viver numa ditadura, como a que os meus avós,

tios e pais viveram. Para que tal não aconteça, contra-argumentemos, refutemos e critiquemos opiniões que não concordamos, em vez de aplicar a “arte do cancelamento”.