Crónicas

O que é a fotografia?

Ao falar-se da História da Fotografia  - assim mesmo. com maiúsculas -, estamos de algum modo simultaneamente a esquivar-nos e confrontar-nos com a imprecisão de uma definição que é a da própria fotografia. A afirmação não serve tanto para adentrar na própria história da especulação teórica em torno do medium e das tentativas de discernir a sua essência, a sua ontologia, mas esbarra desde logo com os limites daquilo que é uma técnica “automática” de captação de imagens.

Se para um jovem de vinte anos a fotografia é essencialmente um meio digital e imediato de produção e visualização de imagens, para um adulto de quarenta esta ainda é igualmente um meio de impressão de um dado referente num material sensível à luz, processo químico que se desdobra na revelação desse material em negativo e deste em ampliação positiva, ou imagem “final”. Assim veio generalizar-se uma distinção entre fotografia digital (a de hoje) e fotografia analógica (a do passado), talvez tomando de empréstimo uma afirmação do escritor francês Roland Barthes, que reconhecia os poderes de analogia da fotografia com a realidade. Se a definição de “análogo” no que a este medium se aplica é discutível dentro de um certo debate académico, chamamos menos a atenção para esse debate do que para o caráter redutor da própria oposição entre digital e analógico, ou entre digital e película (sensível à luz), se preferirmos. Redutor porque aquilo a que se convencionou designar genérica e mundialmente por fotografia foi, em grande medida, um gesto redutor, um gesto de amalgamar e simplificar um conjunto de processos foto-sensíveis distintos de captação de imagens técnicas, que designamos hoje de “processos alternativos”, resultantes de invenções ora consecutivas ora quase simultâneas que se iniciaram em meados do século XIX.

Uma delas foi a albumina, à qual nos referimos a partir de algumas provas pertencentes ao espólio do Museu de Fotografia da Madeira – Atelier Vicente’s. Estas pertencem à coleção René Masset e entraram na instituição em 2009 por doação de um descendente deste engenheiro civil suiço nascido em 1855, e que em 1884 vem à Madeira trabalhar nas obras da ligação do molhe da Pontinha entre o forte de S. José e o de Nossa Senhora da Conceição.

Os negativos em vidro de “albumina” terão sido inventados por Niepce de Saint-Victor em 1847, usando clara de ovo como forma de ligar os sais de prata ao vidro, potenciando a captação de pormenores na imagem. Havia algum tempo de latência entre a aplicação e a utilização das chapas antes e após o contacto com a luz, o que facilitava o seu uso em viagem, exigindo contudo um tempo considerável de exposição. Já as provas em albumina, como estas da coleção de Masset, ou seja, as impressões em papel de albumina, surgem em 1849 como alternativa ao uso do papel salgado, sendo propostas pelo impressor francês Louis Désiré Blanquard-Évrard. Este utiliza a clara de ovo no próprio papel de impressão sensibilizando-a com nitrato de prata, o que deu origem a um maior contraste e pormenor, a sombras mais vincadas na imagem resultante. Apesar do seu uso decair a partir de 1895, este tipo de papel continuará a ser produzido até à década de 1930, sendo muito utilizado de 1855 a 1880 para “positivar” negativos em colódio húmido (mais populares que os de albumina). Mas sobre este outro processo, o do colódio húmido, falaremos talvez numa próxima ocasião.

Agradeço à Ana Marta da Foto Arquivista pela leitura deste texto.

Ana Gandum
com a colaboração do Museu de Fotografia da Madeira – Atelier Vicente’s.