Crónicas

Será o Teleférico do Curral um bom investimento?

Há um ano, como há 20, urgente, mesmo urgente, é que se abra uma segunda via rodoviária para o Curral, que serviria de facto a população e que há muito foi prometida

Lembram-se de o Presidente do Instituto de Florestas e Conservação da Natureza (IFCN) manifestar, num artigo em dezembro, a sua indignação pelo facto de o PS-Madeira ter questionado sobre a inexistência de um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) sobre o projeto do teleférico no Curral? O argumento principal do Presidente do IFCN foi o de que tudo não passava de uma intenção de investimento e por isso não era ainda tempo de haver um EIA, apesar de já haver um processo de expropriação de terrenos para o efeito.

Pois bem, em fevereiro, numa audição parlamentar, o Presidente do IFCN esclareceu que não há ainda projeto ou qualquer investidor privado, conhecido ou anónimo: é apenas um anteprojeto, isto é, um projeto de projeto, proposto pelo próprio IFCN. E que será concessionado a privados. Entretanto, apesar de ter anunciado que não era preciso, o IFCN sempre avançou com um Estudo de Impacto Ambiental (EIA), que esteve em consulta pública até ao passado dia 8 de abril, consulta essa em que o PS-Madeira participou e assinalou dúvidas relativamente ao referido Estudo. Não havendo espaço suficiente para apresentar todas as objeções, destaco as seguintes:

O IFCN é um organismo que tem a missão de promover a conservação da natureza, da gestão sustentável das áreas protegidas e dos recursos a elas associados. O seu papel enquanto proponente deste investimento, que abrange uma Zona de Proteção Especial é um desvirtuar completo das suas funções. Mas se este facto não fosse suficiente, há também uma clara situação de conflito de interesses, na medida em que o anteprojeto incide sobre uma área classificada pelo que é necessário ter autorização da entidade gestora dos espaços naturais. Ora, na Madeira, essa autorização passa sempre pela Secretaria do Ambiente, Recursos Naturais e Alterações Climáticas, que tutela o IFCN. Estamos, pois, perante a caricata situação em que a entidade que propõe é, ao mesmo tempo, a entidade responsável pela emissão de Declaração de Impacto Ambiental que viabiliza a execução do projeto.

No que diz respeito ao Estudo (EIA), é dada pouca relevância ao facto de uma parte da obra, a que ficará localizada no Montado do Paredão, incidir numa Zona de Proteção Especial do Maciço Montanhoso Oriental e numa Zona Especial de Conservação do Maciço Montanhoso Central. Esta classificação decorre da diretiva europeia HABITATS, cujos objetivos passam por conservar e evitar a deterioração dos habitats nas zonas identificadas como zona especial de conservação e evitar quaisquer perturbações que atinjam as espécies. Está, por isso, em causa, a proteção de várias espécies que estão classificadas como estando em perigo, aliás, identificadas no Estudo de Impacto Ambiental, como é o caso da Freira da Madeira, de três espécies de morcegos e de um molusco terrestre.

Por outro lado, o Estudo admite que os cabos que serão instalados para o funcionamento do teleférico e do zip-line poderão causar colisões com consequente ferimento ou morte para as aves, principalmente se estiver nevoeiro ou baixa visibilidade. É considerado que as superfícies espelhadas dos vidros das cabines do teleférico podem constituir problema, mas que tal poderá ser ultrapassado por pôr marcas adesivas nos vidros. Mas é estranho que o IFCN, que em 2020 deu um parecer negativo a um outro projeto de instalação de um zip-line na zona do Cabo Girão, numa uma área de fronteira com uma zona protegida, sustentando que a sua implementação causaria impactos negativos para as aves da zona protegida, com a justificação de que estas espécies são particularmente vulneráveis à existência de obstáculos; ora, no referido projeto, de iniciativa privada, nem estava em causa a instalação de um teleférico. É estranho que o IFCN venha agora propor a instalação não apenas de um zip-line, mas de um teleférico com várias cabines em plena Zona de Proteção Especial, passando por cima pelos impactos que tal causará à avifauna. E que um dos argumentos seja que não tem grande mal porque é só num bocadinho da zona protegida.

Há ainda uma outra conclusão do EIA que é particularmente relevante: recomenda o aprofundamento da análise em fase de Relatório de Conformidade Ambiental do Projeto de Execução, tendo em conta que esta avaliação acontece em fase de anteprojeto. Esta conclusão demonstra que a avaliação a este anteprojeto não é suficiente para aferir se as áreas vitais das espécies que validam a integração da zona do Paredão na Rede Natura como Zona de Proteção Especial são afetadas pelo projeto que o IFCN pretende que seja implementado.

Mas a viabilidade económica e as mais-valias para o concelho também apresentam fragilidades:

Não fica provado que o anteprojeto seja economicamente viável e há um cândido otimismo quando se afirma que os impactos económicos serão todos positivos, sem que se justifique de que forma a implementação de um restaurante na Boca da Corrida poderá beneficiar o comércio de restauração no centro do Curral. Algumas das conclusões deste Estudo não estão devidamente desenvolvidas para que se perceba se o impacto económico que este projeto terá na realidade do Curral das Freiras será suficiente para justificar uma agressão desta natureza numa zona protegida.

Em síntese:

O IFCN considera que é do interesse público da Região, expropriar terrenos para a execução de um projeto que ainda não é projeto, que será concessionado a um investidor que ainda não existe. Tudo isto a abranger uma área protegida, e que é da competência do IFCN conservar para garantir a biodiversidade e manutenção das espécies protegidas. É mesmo um bom investimento, não é?

A verdade é que o Governo Regional insiste em algo que não existia há um ano. Há um ano, como há 20, urgente, mesmo urgente, é que se abra uma segunda via rodoviária para o Curral, que serviria de facto a população e que há muito foi prometida. Por agora, a promessa ficou para último plano… mas vale a aposta que regressa antes das próximas eleições?

Claro que, entretanto, temos agentes do Poder Local de Câmara de Lobos a acenar com o argumento de que o teleférico pode ser uma resposta para se sair ou entrar no Curral quando a estrada está interditada. Seria cómico se não fosse grave, porque à mínima situação de instabilidade atmosférica, a estrada para o Montado do Paredão fecha. Com nevoeiro a estrada fecha, com chuva a estrada fecha... e querem convencer-nos de que, nas mesmíssimas condições, a alternativa segura é o teleférico?