“Walk the Talk”
Os ingleses têm uma expressão que acho muito interessante. Dizem eles que muitas pessoas deviam “walk the talk”, o que resumidamente significa que devemos actuar de acordo com o que defendemos, muitas vezes à boca cheia e com grande veemência.
Os portugueses adaptaram isto com a expressão cunhada como “bem prega Frei Tomás”, que é igualmente uma forma de chamar a atenção para a diferença entre o que alguém diz e o que depois faz.
Vem isto a propósito de outros escritos com que mais recentemente tenho vindo a maçar-vos, supostamente para reflexão, mas que, no fundo, não são mais do que desabafos em relação ao que vou vendo de incongruências entre o discurso e a prática que se lhe segue.
Do que já falei – e relembro, mesmo ciente de que gasto caracteres que depois me irão fazer falta – foi desta revisão de um dos Planos Estratégicos para o Turismo, que defende como nosso maior activo a Natureza, ao mesmo tempo que se advoga, no seio do mesmo governo, a venda de vistos “gold” como resolução dos nossos problemas económicos, com as naturais consequências nefastas que uma nova vaga de construção, maioritariamente localizada em zonas nobres, vai trazer ao nosso produto turístico.
Numa terra onde um bem tão escasso como é o território, mais ainda quando 2/3 dele é protegido, não antecipo nada de positivo se avançar o esdrúxulo projecto de aumento do Porto do Funchal, que espero ainda possa vir a ser parado nem que seja por via do aumento a que estamos a assistir nos preços das matérias-primas. Já que o facto de ser desnecessário não é razão suficiente…
Estas incongruências têm novos episódios, no entanto. A neo esquerda regional enxofrou-se toda ao perceber que o proteccionismo não vingou e, afinal, a Uber até parece pretender voltar aqui para o destino. Assim mesmo, sem precisar de vir ao beija-mão e, pasme-se, sequer sem subsídios. Onde já se viu isto?!
Onde a bota não joga mesmo com a perdigota é que aquele destino “trendy e cool”, que transacciona em bitcoins, vai a Miami a conferências e é o paraíso para os tão na moda nómadas digitais, depois recebe quem chega cá num belo dum táxi azul e amarelo ou, em alternativa, num “Horário”. A gasóleo, claro e com uma idade média próxima dos 50 anos, que o que é vintage é que está a dar…
A sustentabilidade também parece ser tema que veio para ficar. Na parte do “talk”, pelo menos; já vamos na segunda conferência sobre o assunto, no espaço de 4 meses, o que parece significar que é algo para ser levado a sério.
Presumo, a ser assim, que o campo de golfe da Ponta do Pargo não vá avançar, por ser não só uma intervenção em zona onde proliferam variadas espécies de pássaros que interessava preservar (a Natureza, lembram-se?) como, sobretudo, por se saber o quanto impactam estas intervenções em termos de recursos, nomeadamente hídricos. Sustentabilidade “ma non tropo”?
Bem sei que é muito difícil caminhar nesta corda bamba entre o que deve ser e o que pode ser, em face das circunstâncias que vivemos. Estes foram meros exemplos que eu gostaria muito pudessem servir de reflexão e, sobretudo, inflexão no que concerne a algumas das decisões tomadas. Em nome da coerência, sim mas sobretudo tendo presente o que devem ser os superiores interesses da população que habita esta região.