Análise

“Não podemos ignorar”

Abril tem sido atraiçoado por abrigar ditadores disfarçados de democratas

O 25 de Abril é de quase todos, mesmo dos que o usam para a reles política interna que, apesar de perfeitamente dispensável, tem o condão de mostrar de que são feitos os que atraiçoam a igualdade, os que hipotecaram os valores herdados e os que já nem se lembram dos convictos que marchavam entoando o refrão da ‘Cantata da paz’ de Sophia de Mello Breyner: “Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar”.

Abril deu abrigo a ditadores que se disfarçam de democratas de modo a enganar incautos cidadãos que acreditam no altruísmo dos que se submetem a sufrágio.

Deu palco aos que não só teimam em celebrar a data sempre da mesma forma, inconsequente, como se atiram aos que ousam festejar a Revolução de forma diferente, negando-lhes a liberdade que tanto apregoam, de pensar em alternativas e de agir segundo princípios inegociáveis, negando-lhes a escuta activa porque se habituaram apenas a discursar, negando-lhes a notoriedade merecida pois invejam leituras actualizadas e cruéis de realidades ficcionadas.

Deu espaço para os insultos que resultam do prolongado estado de negação de algumas hostes extremistas e para as narrativas delirantes, como a que tem sido assumida pelos desfasados comunistas portugueses que esta semana viraram costas a quem luta contra a invasão de um Estado Soberano.

Deu margem para que um bando de alucinados se governe a seu belo prazer, ignorando que foram eleitos para servir interesses colectivos e não para dar largas ao exibicionismo que liquida as legítimas aspirações dos que ainda vivem nas margens do desenvolvimento, dos que são injustiçados e dos acreditam na meritocracia.

Encontrei na entrevista do neurobiologista Dean Buonomano à ‘Visão’ desta semana parte da explicação para o retrocesso civilizacional que vamos tolerando sem reparo ou para a abominável resistência à inovação por parte dos que pararam no tempo, muitos com confortável certeza que andamos todos à mesma velocidade, logo sem vagar para escrutinar o anacronismo evidenciado.

“Um dos aspectos que mais nos distinguem dos outros animais é a capacidade de imaginar o futuro, o que não quer dizer que sejamos muito bons nisso. Algumas das nossas deficiências residem no factor de não pensarmos suficientemente no futuro. Acontece isso, por exemplo, com as alterações climáticas. Temos uma visão clara das consequências da acção humana, mas não agimos de modo suficientemente eficaz”, observa. E explica as razões o desfasamento: “Os seres humanos não evoluíram para viver no mundo actual. Durante a maior parte da evolução humana, o tempo médio de vida era de 30 anos. Por isso, era normal que tivéssemos uma visão curta, era muito difícil planear o futuro. Somos extremamente privilegiados, em actualmente ter esta esperança de vida longa. Mas a nossa capacidade de prever o futuro não evoluiu quanto necessário... O cérebro está desactualizado, não foi optimizado para viver no mundo de hoje”. Será preciso fazer desenhos?