As eleições legislativas de abusivo faz de conta (I)

No p.p. dia 30 de Janeiro realizaram-se as eleições legislativas em que se fez de conta de que se estava escolhendo o Governo da República por parte da maioria dos portugueses. E todo o mundo de lusa gente encaixou tal falsidade. De facto o chamado acto eleitoral não foi uma eleição/escolha. Sim, um fingimento! Por ter sido um escrutínio tendente a obter dos “eleitores” a concordância sobre as listas dos nomeados candidatos pelos partidos políticos inscritos no pleito e a proporcionar avaliação dos números de adeptos/filiados/apoiantes de cada partido e o seu grau de implantação no território nacional. Uma espécie sui generis de recenseamento clubístico/político da partidocracia vigente.

Além disso os “eleitores” facultaram essa caracterização ao limitarem-se, como autómatos, a meter nas urnas os boletins que lhes impingiram; pois que não escolheram ninguém que os representassem e não dispunham de procuração para serem intérpretes da soberana vontade dos milhões (3 908 685 num conjunto de 9 298 390) de portugueses que não se abeiraram das mesas eleitorais.

No entanto, a farsa eleitoral mais uma vez proporcionou ensejo a exibições de insuportável folclore político/partidário. E logo na hora de encerramento das urnas elas se iniciaram e prosseguiram em catadupa, numa profusão de visuais, falados, escritos, entrechos expostos nas televisões, nas rádios e nos jornais. Quais órgãos de comunicação social, postos em delírio mediático, disponibilizaram - com superabundância cénica e aparato luminoso - várias mesas redondas, quadradas e oblíquas, a que se acomodaram os assíduos comentadores avençados que nas suas enviesadas intervenções discutiram percentagens, exaltaram vencedores, debitaram equívocos considerandos sobre os vencidos, e lamentaram os quantos habituais residentes do Palácio de S. Bento terão de fazer a trouxa e desandarem para outros lugares e ocupações que, decerto, aguardam os seus venturosos pousos. Claro que também os chefes dos partidos fizeram as suas perorações de circunstância; algumas delas algo patéticas.

Foi e é todo um espectáculo deprimente que se desenrolou por largo tempo de muitas horas e tem continuado na semana em curso, a pretexto de ocorrência de um facto de intrínseca falsidade.

Falsidade que, em primeiro lugar, decorre do articulado da Constituição da República Portuguesa que restringe drasticamente o direito dos cidadãos elegerem e serem eleitos – prerrogativa basilar num Estado de Direito, que em Portugal lhes é negada. Só indivíduos filiados nos partidos dela podem usufruir – o que acontece com falta de decoro, de sentido cívico e de nula expressividade democrática.

Também dessa restrição decorrem os abusos do clientelismo, do nepotismo, da corrupção e as nomeações pelos chefes e directórios dos partidos, de numerosos filiados para serem candidatos; quais muitos, destituídos de competência e sem idoneidade para bem desempenharem as funções de deputados e governantes – até se chegar ao ponto do governo ser um conglomerado de famílias, que, obscenamente, se revezam no Poder; com a particularidade de lhes ser fácil de realizar, com frequência, conselhos de ministros à mesa da sala de refeições, na casa de um ou outro, enquanto almoçam ou jantam…

Brasilino Godinho