Turismo paradoxal

“Credes que esses romeiros da arte voltam da romagem aos seus lares sem despender muito e esqueceis que esse ouro fica por mãos portuguesas?” Nesta observação, Alexandre Herculano profetizou Portugal e o turismo em Portugal: uma galinha de ovos de ouro. Na nossa bela ilha, essa galinha já fazia jus à lenda a meio do século XIX, sendo a Madeira o destino português com mais projeção internacional. Desde então, com a evolução da civilização, o turismo tornou-se essencial na economia do país e ainda mais importante na economia da “Pérola do Atlântico”.

No entanto, persistem paradoxos associados a este sector. Primeiramente, a aparente acentuação de assimetrias na população. Se por um lado o turismo explica mais de um quarto do PIB per capita da região, o que explica a elevada taxa de pobreza, que se mantém a mais alta do país, apesar do desagravamento que tem sido verificado? Paradoxalmente, o povo é diretamente afetado quando há quebras, como a que a pandemia causou, mas parece não beneficiar, de forma proporcional, dos ovos de ouro. Mais, a sazonalidade do sector é também um paradoxo: o que explica que um polo turístico do século XIX, conhecido comumente como estância de cura e convalescença, com um clima ameno durante todo o ano, venha a ter problemas de sazonalidade século e meio depois, com todas as condições de conforto incomparavelmente melhoradas? Por fim, como podem uma ilha paradisíaca e a sua população ser sacrificadas em prol do turismo? Só loucos negariam que a galinha dos ovos de ouro é real, mas é surreal que se maltrate a galinha a longo-prazo para ensacar mais ovos a curto-prazo. O povo tem o seu estilo de vida alterado, e, por vezes, transtornado, e o capital natural do arquipélago é explorado de forma insustentável: perdas de diversidade, degradação de paisagem e erosão costeira são inegavelmente ameaças não só ao futuro fluxo turístico, mas também a todos os madeirenses!

Resolver estes paradoxos é tarefa a longo-prazo. Era boa ideia averiguar possíveis contribuições do turismo para a criação de capital social, diversificando não só os tipos de ofertas, mas também a sua concentração geográfica, integrando todos os municípios numa estratégia regional e incluindo a indústria e academia neste processo. O capital natural da ilha, um verdadeiro tesouro, requer uma abordagem ecossistémica do turismo do Mar e da Natureza, inserido num âmbito de Economia Circular. Finalmente, a liberalização e uniformização de dados e a facilitação de empreendedorismo no sector, tornaria mais fácil a todos os madeirenses inovar novos serviços, dinamizando assim a oferta da região.

A título de exemplo, a aposta nos nómadas digitais foi um tiro em cheio. A criação de uma nova oferta de turismo, única devido ao contexto da região, foi elogiada na imprensa estrangeira (The Economist) e revelou ser mais um ovo de ouro. Em sentido contrário, a pesada regulação no sector da mobilidade tem prejudicado essa mesma oferta, os nossos visitantes habituados a transportes limpos, baratos e descentralizados são, em vez disso, forçados a viajar nos nossos Hórarios enquanto o povo trabalhador vai de pé. Cuide-se da galinha e mais ovos virão.

Mário de Pinto Balsemão