Crónicas

Do poder

Para a maioria, poder e moral são coisas que não andam de mão dada. São conceitos considerados, quase, como opostos um ao outro

1. Disco: gosto de andar a “passear” no Spotify, sem eira nem beira. É assim que descubro verdadeiras pérolas escondidas que me deliciam. A última dá pelo nome de Clairo e, este seu segundo trabalho, vale ouro. “Sling” é mais um álbum filho destes tempos de pandemia que nos obrigam a olhar para dentro e descobrir que nunca estaremos bem com nada, nem com ninguém, se não o conseguirmos estar connosco.

2. Livro: “A Anomalia”, de Hervé Le Tellier foi, tal como o disco, uma descoberta do acaso. Um livro carregado de personagens que tecem uma teia intrincada e bem urdida. É difícil falar dele, sem revelar o que não deve ser revelado para não lhe estragar a leitura. Vão por mim e leiam-no.

3. Vamos lá ver se nos entendemos. O “personalismo”, tal qual foi criado por Emmanuel Mounier, não tem nada a ver com partidos, nem com ideologias. É um modo de observar o humanismo e foi abusivamente adoptado pela democracia-cristã para dar base a uma corrente ideológica circunstancial. Podemos mesmo dizer que é uma maneira de estar na vida que estabelece uma profunda relação entre o que é espiritual e o que é material.

O “personalismo” apela ao recentramento de uma pessoa. Uma análise profunda que nos permita solidificar alma e corpo. E esse recentramento, aplicado à política, pode tornar-se perigoso, daí Mounier exigir uma profunda e activa distanciação, do movimento personalista, em relação aos partidos.

O cientista político Martin Wattenberg defende que, quando a opinião pública tende a ser neutra em relação aos partidos, é o candidato quem polariza o debate, potenciando populismos. A perda de referenciais ideológicos dos partidos ajudou a deslocar o eixo da discussão para as supostas qualidades dos candidatos e para factores de curto prazo. Competência, integridade, capacidade de decisão, carisma e atributos pessoais (aparência, idade, religião, saúde, etc.) preenchem o espaço deixado vago pela discussão política, sobretudo, em disputas pouco ideológicas.

É, por isso, que os tempos que vivemos, em termos políticos, são pouco mais do que ocos. A maioria das pessoas, nesta como noutras épocas, carece de liderança, pois não habituadas a decidir por si sobre muita coisa. É melhor nos queixarmos do que exercermos o direito de decisão e escolha. Muitos de nós encerramos um certo sebastianismo que nos leva a esperar que surja uma figura que nos redimirá de todos os problemas e pecados. Era tão bom que assim fosse porque, no final, só restamos homens e mulheres, com todos os nossos defeitos e qualidades, que muito pouco têm dos heróis que imaginamos.

Como sociedade, a nossa obrigação é a de criarmos as nossas soluções. É para isso que os partidos deveriam existir, como fóruns de discussão e de troca de ideias e não para o exercício de projectos pessoais. Os salvíficos são criados por o debate ser inexistente. Por a discussão ser nula.

É tempo de todos, mas mesmo todos, “pegarmos no touro pelos cornos” (sem o magoar) e assumirmos as nossas responsabilidades sobre o destino a dar ao que é comum, e isso implica a participação política seja em partidos, seja noutro género de organizações, ou os problemas nem empurrados com a barriga serão.

É tempo de acabar com o discurso da conversa oca, mas bem urdida. O discurso do herói de boa pinta não chega para podermos construir um futuro onde todos tenham lugar.

Por isso, cuidado com esses “personalismos” demasiado centrados na “persona” e muito pouco dados a pensar nos riscos que isso acarreta para a vida pública.

4. Tanto para dizer sobre o poder. Que fiquemos com uma ideia muito clara: o exercício do poder está intimamente relacionado com violência. O poder, mesmo o mais democrático e o mais suportado na lei, impõe. A imposição é sempre uma forma de violentar.

Há no poder um quê de bipolaridade: se por um lado pode enfraquecer os valores morais, por outro pode elevar moralmente quem o exerce. Claro que estamos muito mais habituados a ver a primeira hipótese do que a segunda. Isso porque o poder tanto pode desencadear uma desinibição comportamental, fomentando a corrupção e comportamentos pouco morais, como pode elevar os princípios e os valores no seu exercício.

Para a maioria, poder e moral são coisas que não andam de mão dada. São conceitos considerados, quase, como opostos um ao outro. A moral apoia-se no bem de todos, enquanto o poder — pelo menos o que vemos por aí — tem muito mais a ver com o interesse pessoal.

O “poder moral” existe. Temos de acreditar que não é um oximoro, embora possa parecer. O “poder moral” é a única maneira que devemos considerar válida para uma vida em comum que procure o desenvolvimento, a riqueza e o bem-estar de todos. Ele tem que ser o modo como entendemos a política e o seu exercício. É no poder moral, de quem o exerce, que, em virtude da sua estatura percepcionada, reside a capacidade de persuadir outros a adoptar decisões e caminhos de futuro capacitante. Ter líderes moralmente bem formados e bem-intencionados, é uma necessidade que não se pode confundir com capacitação e conhecimento técnico.

O líder moral sabe exercer o poder, rodeando-se daqueles que, de conhecimento, são os mais capazes.

E é desses que precisamos.

5. Catarina Martins disse, referindo-se a Fidel de Castro e ao regime comunista que montou, que os “erros não podem apagar a homenagem ao grande revolucionário”. Só não entendo porque é que ficou por aqui. Podia dizer o mesmo de Stalin, a quem os erros não podem apagar a homenagem a esse grande revolucionário; ou a Mao que não terá também culpa que os erros apaguem a homenagem a esse grande revolucionário; e o que dizer de Ceausescu, Honecker, Pol Pot, ou da dinastia Kim e outros, tudo boa gente a quem os erros não podem apagar a homenagem?

Ao Bloco, ao PCP e até a uma ala radicalizada do PS, acaba sempre por fugir a boca para a sua, deles, verdade. É tudo boa gente merecedora da pena de terem cometido erros que mataram, torturaram, coarctaram liberdades, reprimiram vontades. Por isso, o socialismo que defendem nunca resultou em lado nenhum. Repito: em lado nenhum. Acreditar no socialismo do Bloco, do PCP e dos radicalizados do PS é acreditar em algo que só trouxe miséria e pobreza.

Como dizia um meme que apareceu nas redes sociais: “Socialismo no Cuba dos outros para mim é refresco”.

6. Porque já há algum tempo que não pego neste assunto, e para que não caia no esquecimento, aqui ficam alguns dos grandes sucessos do PSD e dos seus “compagnons de route”, sob a forma de inocentes interrogações:

E para quando fazer da Marina do Lugar de Baixo um monumento à incúria humana deitando abaixo os tapumes para que todos os madeirenses possam ver o resultado de construir sem estar apoiado em estudos e ciência?

Onde está o estudo do custo/benefício para o prolongamento do Porto do Funchal?

Está toda a gente sossegada com a ópera bufa sobre o empréstimo que Rui Barreto “y sus muchachos” arranjaram para ajudar a pagar a campanha ao CDS, nas últimas regionais? E a não declaração, do mesmo, ao Tribunal Constitucional?

Que tal divulgar a lista com o nome de todas as empresas que beneficiaram de apoios do Governo Regional, por causa da pandemia, para que fique claro quem recebeu o quê?

E daquelas mais antigas, como os monos em que se transformaram o Penedo do Sono, o kartódromo e o estádio de desportos de praia, no Porto Santo? Vai ficar tudo ali assim, como está?

E as ETARs que não funcionam, como a da Boaventura?