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Peço desculpa!

Mas, aos políticos, a desculpa fica bem, é politicamente correcta, mesmo quando está a pedir desculpa à História por actos cometidos há séculos

Perguntei à imaginação que ideia teria para desenvolver e que gostaria de ver publicada.

“Ups, peço desculpa mas,…não me ocorre nada!”, retorquiu-me!

Nada?, cogitei! O nada, tal como o “não!” é garantido à partida. É assim! Um “não” é uma garantia sempre que lançamos uma semente de ideia nova, de procedimento novo. Vamos pensar nisso, depois telefonamos, fica para uma próxima oportunidade ou, que bela ideia, vamos em frente!, são algumas da variáveis que se colocam quando aparece uma nova ideia.

Um “não!” inicial

(está sempre garantido, e pelo menos existe uma resposta. Pior do que dizer “não!”, é não dizer nada),

deixa sempre uma porta entreaberta. Basta insistir um pouco. Às vezes a ideia pode até nem ser grande coisa, mas pode ser aproveitável com uma roupagem diferente, se ambos – o da ideia e o que disse não – se dispuserem a discuti-la com calma e serenidade, podendo dar lugar a um novo caminho, diferente dos já experimentados antes.

Nesta era global, quando tudo é escrutinado até à exaustão, “nada” é coisa que praticamente não existe. Aliás, antes pelo contrário, cada vez há mais pessoas a quererem que o nada seja mais a regra do que a excepção. A privacidade em relação aos famosos algoritmos (coisas que vêm com a também famosa globalização) é um pedido cada vez mais frequente, uma exigência, diria, mas uma exigência de difícil cumprimento. Estamos todos ligados e conectados: ele é o telemóvel, ele é o facebook, eles são as mais variadas redes sociais, e só não está conectado quem não tem nenhuma destas mariquices modernas, que até dão muito jeito de quando em vez.

Com a proliferação das redes sociais cresceu uma outra inovação: o “peço desculpa”, utilizada preferencialmente por políticos quando querem sacudir os respingos (não há água que lhes chegue) do impermeável que os cobre!

Peço desculpa (e desculpado está!) disse um Secretário de Estado depois de chamar “estrume”, “coisa asquerosa” e outros mimos ao trabalho de uma jornalista. Há alguns anos um ministro “prometeu” umas bofetadas a dois jornalistas. Foi demitido por isso, mesmo tendo reconhecido o erro e feito um pedido de desculpas público. Outros tempos, quando o primeiro-ministro lembrava que a um membro do governo, até na mesa do café não pode esquecer a sua condição. Agora o mesmo primeiro-ministro aceita este (e muitos outros) pedido de desculpa como redenção do político que está debaixo do seu impermeável.

O significado de um pedido de desculpas varia consoante a necessidade de quem o formula e de quem o aceita. O que não varia é o pedido de desculpas que possamos fazer às entidades fiscais, por exemplo, por aquele atraso de um dia no pagamento do IVA (ou qualquer outro imposto). O pedido de desculpas é aceite, mas as consequências fazem-se sentir - mesmo desculpado, paga sem apelo e com agravo.

Mas, aos políticos, a desculpa fica bem, é politicamente correcta, mesmo quando está a pedir desculpa à História por actos cometidos há séculos, baseados em conhecimentos e formas de sentir completamente diferentes. Os soviéticos branquearam a História, não com pedidos de desculpa, mas apagando ou removendo os factos de todos os manuais. Agora, como é mais difícil apagar as redes sociais, pede-se desculpa e está feito. Não há Cabrita que não saiba a cartilha toda!

Ups, peço desculpa, mas… não me ocorre nada!, é algo que já não acontece.

Há por aí algum motor de busca a “pensar” por nós e a dar sugestões para termos algo em que pensar, algo com que se entreter. Afinal, todos gostamos de nos sentir bem onde somos bem recebidos, onde somos reconhecidos, onde sabem o nosso nome. Nos anos 70/80 do século passado havia uma excelente série norte-americana, chamada “Cheers” que na música de introdução tinha um verso que dizia

“where everybody knows your name”

isto é, sentes-te bem onde sabem o teu nome, onde és reconhecido pela pessoa que efectivamente és, que és apaparicado por quem presta serviço, pelos amigos que lá estão, pelo ambiente que te seduz e que te leva a passar um tempo de relaxe.

O que fazem agora (e em tempo de eleições, cada vez mais, como forma de agradar e atrair e atenção dos eleitores), fruto da técnica e da globalização é tentarem fazer com que nos sintamos bem-vindos, demonstrando que nos conhecem, que sabem dos nossos gostos e das nossas afinidades, mesmo sem sair de casa, mesmo estando ligado a uma qualquer rede social. É um bar global numa aldeia cada vez mais global. Há que controlar as bebedeiras que daí podem sair, mas dificilmente se poderá controlar o conhecimento e as pegadas que vamos deixando cada vez que acedemos às famigeradas redes sociais.

- Peço desculpa mas não me ocorre nada, disse-me a imaginação.

Peço desculpa, digo eu, sabendo que à partida um “nada!” ou um “não!” estão garantidos.