Análise

Nunca foi tão fácil governar

Vivemos num país em que quem manda prefere focar-se no euro do que nos euros

A semana foi pródiga em fintas executivas que comprovam a facilidade em governar neste quadro pandémico. Isto porque mais do que nunca as decisões estão sempre certas, mesmo que acabem por dar para o torto. Tudo graças à introdução da margem de erro ilimitada nas medidas de combate à crise, pois são anunciadas já com o aviso que podem ser alteradas a qualquer instante, basta que o vírus não vá de férias e quem manda não arrisque um milímetro quando pressente o perigo eleitoral associado à gestão da saúde pública.

Graças à covid-19, quem governa não recua, antes adapta-se à evolução pandémica. Não se contradiz pois, a exemplo de alguns especialistas em doenças de cura demorada, tornou-se hábito afirmar tudo e o seu contrário de forma célere e tecnicamente sustentada, logo sem qualquer reparo. Não hesita já que qualquer pausa mais prolongada na oralidade é reflexo da ponderação. Não atende qualquer um, dado que anda ocupado com as coisas que estão no topo das prioridades. Não despacha a um ritmo aceitável pois pior do que isto está não fica. Não entusiasma dado que este não é o tempo de arraiais, apesar da ideia peregrina de admitir realizá-los proibindo as bebidas alcoólicas. Não inventa pois para isso basta os que pedem três faixas de rodagem para a Calheta, teleféricos no Curral e Cabo Girão ou um ferry a parar no Porto Moniz. Não inova porque quem tem nómadas digitais em lista de espera e boas redes tecnológicas tem quase tudo o que precisa para ser feliz.

Assim, se lhes pedimos o regresso à normalidade, dão-nos um raspanete, mandam-nos lavar as mãos, usar máscara e respeitar o distanciamento e depois enfiam-se em estádios a abarrotar de gente, apanham aviões onde as variantes também passeiam e tiram férias em destinos em que as infecções estão em saldo.

Se lhes pedimos apoios para fazer face à tormenta, mandam aguardar porque a ‘bazuca’ vem carregada, porventura armadilhada, e vai disparar para todo o lado.

Se lhes pedimos foco nas pessoas que começam a ficar sem chão mandam-nos centrar atenções no Europeu do futebol, pois enquanto a bola salta, o Ronaldo estica as redes e o hino toca, o povo não sente a dor de ter que pagar dívidas com o dinheiro que não tem.

Se lhes pedimos planeamento apresentam-nos o preocupante manual do improviso.

Se lhes pedimos respostas tentam dá-las ignorando as perguntas.

Nesta equação entram apenas os que se sentirem atingidos, pois percebe-se que na gestão da pandemia não estamos num País uno e indivisível. A Região é nalguns casos um exemplo que nos enche de orgulho. Noutros nem tanto.

O governo regional decidiu aliviar algumas medidas de controlo sanitário. Já não era sem tempo. Contudo, arriscou pouco, porventura por prudência em tempo de Euro e escaldado com as euforias daqueles que decidem festejar e dar largas aos afectos sempre que são elogiados pelo bom comportamento.

O governo que considera os madeirenses exemplares continua a revelar elevada desconfiança em relação a ambientes que não controla, o que o leva a tratar de forma diferente eventos da mesma natureza, o que o leva a controlar com testes rápidos festas particulares com mais de 100 pessoas quando não o faz, com base no mesmo princípio, em ajuntamentos públicos, o que o leva a fazer uma gestão de pandemia com base no medo, trunfo a que os poderosos deitaram mão neste tempo em que quase ninguém refila.

A boa notícia é que, até ver!, os testes antigénio bastam para entrar nas ilhas. Mas melhor será se alguém avisar aos que têm responsabilidade de executar este expediente alegadamente mais simples e célere, menos intrusivo e doloroso, que para a coisa ser bem feita escusam de tentar desentupir narinas como se fossem fossas ou aparafusar o nariz à testa. Por este andar ainda vamos ter saudades dos PCR.

Também por isso, o melhor é não frequentar determinados ambientes, mas se o fizer por necessidade ou obrigação, seja responsável, ou seja, não faça como alguns governos.