Análise

Especialistas em “tensão criativa”

Presidente pede o impossível aos autonomistas, pois é o que julgam fazer melhor

Marcelo Rebelo de Sousa veio à Madeira dar uma sugestão à malta especializada em contenciosos inconsequentes e em queixinhas gratuitas sobre a República autista, para que de futuro o façam com maior criatividade e imaginação, expedientes sempre salutares à democracia. Convenhamos que o Presidente poderá ter vindo pedir o impossível, pois essa é a praia onde muitos dos refilões locais, fortes com os fracos, mas mansos com os poderosos, se demoram com sobranceria, armando confusões onde era suposto haver discernimento, gerando inquietações onde era recomendável que houvesse serenidade, provocando contestações quando toda gente espera soluções. Ou seja, o desejo presidencial é já uma prática com especificidades e adaptações insulares, enraizada nos que julgam fazer bem o que de pior protagonizam, para desespero dos que não têm 500 euros para comprar bilhete de ida e forma de procurar ambientes menos poluídos politicamente. Os criativos vão pegar na mensagem presidencial de interesse colectivo que importa sublinhar neste ano muito dado ao frenesim eleitoral, a atentados de carácter e a hipocrisias políticas e vão transformá-la em moldura ou livro de memórias. Marcelo deixou claro que mais importante do que ganhos pessoais, satisfação das clientelas ávidas de recompensa e de feitos pontuais há todo um trabalho de reconstrução que carece de visão de longo de prazo. Que não basta “remendar” o tecido social ferido pela pandemia, pois é necessário “agir em conjunto, com organização, transparência, eficácia, responsabilidade, resultados duradouros”. E que entre vários perigos já antecipados, o mais medonho é que se desperdicem fundos europeus transformando-os numa “chuva de benesses para alguns”.

Os criativos ouviram bem o reparo que também é apelo a uma mudança na gestão da coisa pública, mas nem notaram que foi feito de propósito em território suspeito, e não só vão activar o choradinho habitual que o dinheiro fresco não chega nas proporções estabelecidas, como tudo farão para verter o que vier conforme der mais jeito.

Se para Marcelo “a vida continua”, os criativos vão decretar bloqueios inusitados só para serem diferentes.

Se para Marcelo estar com o poder e com a oposição, com as artes e com os jovens, com os sem abrigo e com o povo sem cunhas é um desígnio nacional, para os que se viram remetidos para segundo plano no 10 de Junho e sem direito a sombra e cadeira estofada é um atentado à integridade física e ao estatuto da Região.

Se para Marcelo a discrição é um trunfo para as boas negociações, por cá haverá sempre quem entende que uma manobra panfletária é quanto baste para inverter tendências. Por sorte, o professor não hostilizou quem quis à sua boleia aparecer nas notícias, embora lembrando ao autor da dívida colossal coisas básicas e constitucionais que devia conhecer.

Se para Marcelo a Madeira é uma terra de “criações e recriações”, com “gente corajosa, desbravadora, resistente”, que faz valer “a sua justa e intrépida autonomia”, haverá quem julgue estar perante uma manobra de intoxicação da opinião pública.

Se Marcelo é hiperactivo e tem pedalada não passa de um populistas que vive embriagado em ‘selfies’.

Dá pena ver a incorrecta utilização da normal “tensão criativa” que escondeu a estátua da Autonomia na cerimónia do Dia de Portugal; que levou Miguel Albuquerque a falar num registo que não encontrou eco em tempo real, pois na maior parte das vezes, o Presidente da República assobiou para o lado, não se comprometendo minimamente com assuntos que não esquece mas não são da sua competência; que anestesiou os políticos do meu País que não respeitaram horas marcadas e as regras que estipularam, com restrições desnecessárias, como o recolher obrigatório em horas que já estamos recolhidos; e que motiva distracções que levaram na última semana o PSD-M a optar pelo revisionismo e a voltar perigosamente ao tempo do jardinismo deposto, transformando um voto de louvor num protesto à imprensa livre.