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Portugal espera "um passo grande" na agenda social europeia

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Portugal espera que a Cimeira do Porto permita um grande consenso entre governos, parceiros sociais e sociedade civil sobre a agenda social europeia para a próxima década, com metas ambiciosas e mudanças que, admite, vão ser lentas.

"Não se trata de uma mudança de paradigma, as mudanças de paradigma não se fazem com uma conferência, mas trata-se de um passo grande que é passar dos princípios à ação", diz à Lusa a secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Ana Paula Zacarias, frisando que os princípios já acordados em Gotemburgo, em 2017, vão demorar vários anos a concretizar-se.

"Primeiro, os princípios só foram aprovados em 2017. Portanto, temos aqui vários anos para chegarmos à ideia de que é preciso implementar isto no terreno e ter um conjunto de metas. Daqui até chegarmos a compromissos jurídicos vinculantes vão demorar outros tantos anos. Demora, mas o que nós queremos é deixar uma 'pedra de toque'", no Porto, sublinha.

A Cimeira do Porto pode proporcionar também a abordagem do "'pipeline' legislativo", um conjunto de propostas da Comissão Europeia, como a diretiva dos salários mínimos, a diretiva da transparência salarial, a proposta de recomendação sobre a garantia infantil, sobre as mulheres nos quadros de direção, as estratégias para pessoas que estão sem-abrigo ou a estratégia europeia para a deficiência.

"São tudo aspetos complementares desta nossa ação no Porto", afirma a secretária de Estado.

As principais metas propõem que, até 2030, 78% dos adultos na Europa tenham emprego, que pelo menos 60% das pessoas façam uma ação de formação uma vez por ano e que sejam retirados da pobreza "pelo menos" 15 milhões de europeus, dos quais cinco milhões de crianças.

"É preciso que os Estados-membros se comprometam com estas metas e digam 'sim' e que é possível 'puxar' pela agenda social europeia, depois desta crise, para sairmos da crise e conseguirmos uma trajetória mais coesa. Precisamos de chegar a estas metas. Cada um fará o que puder com os seus sistemas sociais e com aquilo que é a ação comum de cada um dos Estados-membros", afirma Zacarias.  

"Se as empresas, as associações empresariais, as associações sindicais e a plataforma social também indicarem que estão disponíveis para trabalhar por estas metas, eu acho que temos aqui um consenso muito alargado, porque em Gotemburgo só estiveram os governos", diz Ana Paula Zacarias, apontando "um passo muito grande dado aqui".

Do lado dos empregadores, o passo é ambicioso, mas possível se a União Europeia conseguir adaptar-se aos novos tempos.

"Temos que ter um contrato social renovado, temos que adaptar-nos aos tempos e à situação pandémica que o mundo, e desde logo a Europa, estão a sofrer. Adaptarmo-nos aos tempos é condição de sobrevivência", diz António Saraiva, presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP).

"É esse o objetivo que temos que atingir, é estabelecer metas e depois monitorizar essas metas de maneira que aceleremos ou adaptemos esses objetivos", prossegue, considerando que "é ambicioso", "mas exequível".

Os sindicatos também consideram válidas as metas, mas Isabel Camarinha, secretária-geral da CGTP, critica ingerências externas, porque cada país tem uma realidade concreta.

"Não obstante se colocarem ali um conjunto de intenções que consideramos até positivas, a verdade é que os conteúdos e as políticas que estão ali apontadas e as conclusões relativamente à situação que vivemos não vão ao encontro das respostas que são necessárias e não vão ao encontro das necessidades", diz.

"O futuro do trabalho tem que ser um futuro melhor", sublinha. "Tem que ser um futuro com mais direitos, com mais tempo, com mais salário, com condições de vida mais dignas e que nos propiciem aquilo a que todos nós temos que ter direito".

Entidades que trabalham junto de populações carenciadas consideram que as medidas podem ter êxito caso se verifique um constante empenhamento nos "territórios" mais afetados pela pobreza, desemprego e injustiça social.

A Associação Padre Amadeu Pinto, da Companhia de Jesus, que desenvolve programas de acompanhamento, sobretudo junto das populações mais jovens no Bairro Branco, no conselho de Almada, defende que o acompanhamento permanente e a criação de empregos são fundamentais caso se queira, de facto, atingir a meta de retirar da pobreza 15 milhões de pessoas até ao final da década.

"É um bom objetivo, se o conseguirem atingir, mas se é exequível vamos ver. Creio que vai passar por uma boa gestão. Para atingirmos essas metas, mais do que injetar dinheiro, tudo vai passar por uma boa gestão dos recursos que temos", diz o padre Gonçalo Machado, responsável pela Associação Padre Amadeu Pinto.

A situação no Bairro Branco é exemplificativa de muitas situações semelhantes de exclusão e injustiça social que marcam a realidade da pobreza na zona da Grande Lisboa, agravadas pela crise sanitária.

"A covid-19 veio agravar tudo porque aqui (Bairro Branco) há muita economia informal, pessoas que trabalhavam na construção civil sem contrato por vontade dos patrões e, ao nível das mulheres, muitas cuidadoras de idosos e de crianças [...] E não há proteção para o mercado informal, porque as pessoas não têm baixas nem subsídios de desemprego", diz Ana Martinho, assistente social, acrescentando que é necessária "proximidade" na aplicação dos objetivos.

"Não basta haver medidas políticas, é preciso operacionalização em territórios como este e é precisa uma força de proximidade, de insistência, que não vejo acontecer. Por vezes essas medidas são muito burocráticas e há pessoas que num determinado momento da vida estão muito desorganizadas e não se conseguem alinhar com essa exigência da burocracia. Mas se houver acompanhamento no terreno vejo que é possível, sim", considera.

A Cimeira Social, ponto alto da presidência portuguesa do Conselho da UE, vai decorrer nos dias 07 e 08 de maio na cidade do Porto, com foco no debate do plano de ação da Comissão para o Pilar Europeu dos Direitos Sociais com agentes políticos, empregadores, trabalhadores e setores da sociedade civil.