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Avaliar para aprender

O sortilégio da educação enquanto arma emancipadora da humanidade continua a falhar

“Um Plano Marshall para a Educação”, é o que propõem diretores de escola em relação aos efeitos nos alunos da suspensão das aulas presenciais, e no contexto da divulgação, em 29 de março, do estudo do IAVE, (Instituto de Avaliação Escolar) sobre as perdas de aprendizagens, devido ao confinamento. Aplicado a alunos do 3º, 6º e 9ºano de escolaridade, em 313 escolas escolhidas aleatoriamente, permitiu recolher informação relevante sobre competências e literacias (ver Estudo Diagnóstico das Aprendizagens) e reconhece a importância de caracterizar o contexto do processo de ensino, de aprendizagem, (e de avaliação?) do ambiente escolar, bem como das circunstâncias individuais e familiares dos alunos, dados a ter em conta em planeamentos curriculares futuros.

A perda para cerca de metade dos alunos reúne conteúdos, mas também vivências de cultura cívica, de socialização, de construção de relações significativas, de vínculos sociocomunitários, neste tempo em que a urgência do afastamento da higienização sanitária parece resvalar perigosamente para o estigma da segregação social, da desconfiança e do medo do outro… Viu-se que estas perdas coincidem com problemas socioeconómicos e familiares. Pobreza. Desigualdades que a pandemia agudizou. Realidades já existentes, mas sobre as quais tem pairado um manto de invisibilidade negligente, de incapacidade política… Quem está na escola, sabe. A origem cultural social e económica dos alunos determina frequentemente o seu percurso e sucesso educativos, circunstância que a democracia tem sido incapaz de atacar pela raiz. Mais do que as capacidades intelectuais dos alunos, os condicionalismos socioculturais podem influenciar o grau de interesse, a motivação, a vontade de aprender, o desejo de saber e a busca do conhecimento, e têm custos no desenvolvimento de qualquer país que se queira moderno e justo.

O sortilégio da educação enquanto arma emancipadora da humanidade continua a falhar, potenciado agora pela pandemia. E ameaça retrocessos preocupantes. O elevador social sobe muito devagar, sem atingir lugares de topo, reservados aos mais abonados, muitas vezes as circunstâncias do apelido, da proveniência geográfica, rural, urbana ou suburbana. O chamado capital social e cultural subjacente à meritocracia. Qual o espanto com os conhecimentos não adquiridos, no ensino a distância? De que é que estávamos à espera, quando tantas crianças e jovens ainda não têm recursos para tal, sem interrupções, distrações ou constrangimentos? Quantos têm o privilégio de um espaço só para si, ambiente calmo e sossegado para o estudo, online ou não? E quantos têm um adulto por perto, disponível e preparado para monitorizar estas atividades? E que estruturas têm as escolas para dirimir este problema? E que outras instituições da sociedade podem aqui colaborar?

Seguindo outros países, investigadores académicos (RTP2, Página 2, sábado 3 de abril) apresentam um plano de ataque que não é mais do que muitas das medidas pedagógicas que professores e estudiosos da educação, há anos têm vindo a apontar: a necessidade de novos paradigmas organizacionais da vida escolar, com turmas mais reduzidas, tutorias individualizadas ou em pequenos grupos, dentro e fora da aula, percursos curriculares diferenciados de modo a atender à imensa diversidade de capacidades intelectuais da população estudantil, dos seus interesses e motivações. Uma escola que consiga seduzir os alunos pelo estímulo compensatório da sua inesgotável curiosidade por aprender e desejo de experimentar… Para fazer cumprir o mandato moral da escola democrática, a missão da sociedade e do Estado, no Direito à Educação para Todos! Para próxima avaliação?