Cabo Delgado

Na mais recente crónica de José Paulo do Carmo (JPC), no diário de dia 01, é referido que o “mundo para variar acordou tarde para tragédia” em Cabo Delgado. Tal não corresponde obviamente à verdade na medida em que pelo menos há 3 anos que esta problemática é difundida em todos os órgãos de comunicação social e tem sido tema habitual no âmbito das Nações Unidas. O mundo esteve sempre bem acordado para o problema mas ignorou-o continuamente (mundo, países, governos, cidadãos comuns como JPC) na medida em que as coisas se passam lá longe, seja em termos físicos/geográficos seja em termos culturais.

Esta questão começou a ter relevância efectiva numa altura em que cidadãos estrangeiros começaram a ser atingidos e em que a vila recentemente ocupada tem um importante papel estratégico na gestão das reservas de gás natural. Mas obviamente terá sido apenas uma coincidência.

JPC refere que Portugal “demorou uma eternidade a reagir”, o que não corresponde à verdade porque esta questão tem sido abordada pela diplomacia nacional ao longo de todo este processo, parecendo no entanto esquecer-se que Moçambique, mesmo que isso ainda custe a muitos, é um Estado independente e soberano e, como tal, ainda deve ter o direito a considerar se tem ou não condições para resolver o problema. É sempre tentador arranjar culpados como indica JPC (”a culpa primeira (..) é de Moçambique”) quando sabemos que o terrorismo é um problema global que se dispersa por todos os continentes e que, dadas as suas características, nunca terá uma resolução definitiva.

E depois voltamos sempre a uma espécie de chantagem económica-humanitária dos chamados países desenvolvidos (”(...) aperta a malha e condiciona os milhares de milhões que chegam de ajuda externa todos os anos à resolução desta catástrofe”), uma certa sobranceria neo-colonialista do se nós ajudamos, nós mandamos (para além do facto de não serem milhares de milhões todos os anos, nem serem para esta catástrofe mas na maior parte das vezes para outras que ainda são mais penalizadoras, como a fome, a malária, as intempéries climáticas - e muitas vezes essas ajudas servem para o estabelecimento de empresas estrangeiras na região que irão usufruir dos tais recursos naturais que o país detém com o maior benefício final para outras nações que não o país de origem).

Quando estamos sentados no sofá, no conforto da nossa segurança, é sempre mais fácil dar palpites sobre realidades que se desconhecem.

Miguel F. Carvalho