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A deliberada bipartidarização

Nos últimos anos, sobretudo quando a ofuscada “renovação” social-democrata se deparou com conjunturas políticas adversas, cresceu uma abordagem expressiva por parte da imprensa regional em torno da bipartidarização. Desde 2018 que esse ambiente de bipolaridade partidária floresce. No meu ponto de vista não só de forma espontânea, mas fruto de uma tendência artificialmente conjeturada em torno daquilo que, por analogia astrológica, pode ser vista como as duas “luas de Marte” (PSD e PS). Mas já lá iremos, mais adiante.

Os filtros de informação e do tratamento parcial das análises conjunturais são historicamente conhecidos. O conhecimento histórico antecipa a dedução do presente. Recordo, por exemplo, que até a década de 70 do século XX, a historiografia portuguesa ministrada nas universidades negava a explicação de fenómenos sociais e económicos a partir de conceitos propostos pela teoria marxista. Não se tratava de um preconceito, mas de um comportamento manipulado e tendenciosamente construído para anular a partilha do conhecimento plural.

Não está em causa, por exemplo, se concordamos ou não concordamos com as teses marxistas. O essencial está no tratamento plural das partes, na atitude de não ignorar propositadamente a existência de outras correntes de pensamento. O correto e o justo está na abordagem sem filtros.

É incorreto, aliás intelectualmente desonesto, anular de forma arbitral e deliberada todos os contributos existentes quando se trata de proceder a análise e a explicação dos fenómenos sociais, económicos e políticos.

O exemplo atrás citado da historiografia portuguesa serve de comparação na análise do tratamento da informação política em torno do bipartidarismo em detrimento do multipartidarismo. O esforço, seguido de reforço insistente, em passar a tese de que a vida gira quase exclusivamente à volta de duas forças partidárias (PSD e PS), visa abafar e desacreditar outras realidades.

Há quem, no presente, se ministre a promover um apagão político e ideológico para servir determinados interesses. É cada vez mais óbvio que a ética profissional segundo os doze princípios defendidos por Karl Popper foi literalmente à vida.

Nos Princípios de Filosofia, René Descartes (século XVII), aborda as tentativas dos centros de poder criarem um quotidiano irreal, ou seja, uma espécie de pinga-pinga de afirmações que tendem a sumarizar na opinião publicada (versão actual) uma visão inexistente. São as chamadas construções para-reais. O Povo apregoa que uma mentira repetida inúmeras vezes pode acabar por ser uma suposta verdade.

A origem do tratamento da informação numa lógica deliberada do bipartidarismo pode ser vária. Nomeie-se, por exemplo, o interesse ideológico, o fanatismo político, o status quo, o centralismo de capital (também revisitado no Funchal em relação aos resto do território insular) e lá está: o interesse material e o económico-financeiro.

Na peça referida de Descartes, o autor alude ao quão forte é o poder que sobre nós exerce a opinião já aceite. Nada de mais verosímil.

A tendência bipartidária não é só deliberada, como permanentemente forjada. É sorrateiramente pensada e fabricada em certos “corredores do poder”. A crise de representatividade exteriorizada pela partidocracia tradicional manifestou-se, também, pelos velhos pensadores que suportam financeiramente a comunicação social. Tudo se reflete como uma imagem límpida ao espelho. Por mais que jurem ser plurais e isentos, mais se patrocinam as teses ortodoxas e bafientas dos negócios de conforto.

Não tenhamos ilusões! Enquanto os principais acionistas dos órgãos de comunicação social forem acérrimos militantes e simpatizantes dos partidos tradicionais (PSD e PS) o resultado da sementeira será sempre triada.