Análise

Ordem para redobrar cuidados

Combate ao facilitismo na semana da Páscoa é tão vital como vacinar

Por muito que nos custe, a pandemia é para levar a sério enquanto durar. Daí que não seja aceitável qualquer tentativa de facilitismo, mesmo que patrocinada por autoridades de saúde e dos bons costumes. Louva-se por isso quem surge, de diferentes formas, a recomendar prudência acrescida numa fase em que os números baixam e transmissibilidade resiste.

Se é certo que o mau tempo é cúmplice do recato e doseador de excessos, o apelo vital ao respeito pelas normas em vigor terá de recorrer, se for necessário, aos mecanismos que massajam o ego e envaidecem as hostes.

Miguel Albuquerque tem tentado zelar pela auto-estima colectiva, ao confidenciar por diversas vezes que, neste ano pandémico e nos momentos críticos, os madeirenses tiveram “um comportamento exemplar". Um posicionamento que mantém para estes dias pascais, não permitindo qualquer alteração ao recolher obrigatório apesar de conceder a tolerância de ponto, que mesmo sendo tradicional era dispensável.

Embora seja sempre perigoso generalizar, dado que há excepções, o reconhecimento público fica-lhe bem e é justo, mesmo que não banalize a exigência permanente.

Se fomos exemplares é porque percebemos a dimensão da tragédia para a qual, por muita gabarolice que tenha sido exibida e enfatizada, ninguém estava preparado na plenitude.

Se fomos exemplares devemos à percepção que não raras vezes estávamos entregues a nós próprios, e por tal, importava ter cautelas acrescidas e responsabilidades impiedosas, evitando que o natural instinto de sobrevivência deixasse os mais frágeis para trás.

Se fomos exemplares é porque prezamos a vida, preferindo aguentar a dor, adiar a consulta e até ousar mandar esperar a morte anunciada do que reclamar contra quem não tinha mãos a medir ou culpar inocentes.

Se fomos exemplares é porque deixamos trabalhar quem sabe, sobretudo os incansáveis profissionais de saúde, confrontados com limitações inacreditáveis e inconcebíveis, mas mesmo assim sempre disponíveis para garantir a dignidade humana a qualquer momento.

Se fomos exemplares é porque não deixamos de trabalhar, mesmo que muitas vezes de forma sofrida, sem sucesso ou rendimentos, mesmo que obrigados a ficar em casa, a manter a distância e a deixar enfraquecer a economia.

Se fomos exemplares é porque temos a noção do ridículo e recusamos a contradição, observando regras e denunciando infracções, aprendendo a lição em vez de honrar a tradição, relativizando aproveitamentos circunstanciais da superação da desgraça que alguns usaram em benefício próprio.

Se fomos exemplares é porque pensamos no que nos dizem, de forma insistente.

De pouco servirá o Presidente da República pedir “sensatez” que obriga a empenho redobrado na próxima semana, esforço que “pode valer muito tempo ganho no Verão, no Outono, na vida das pessoas, no emprego, nos salários” se, num ápice, for posto a circular o indiscreto desejo de arejar em grupo à boleia da tolerância decretada, à imagem e semelhança dos que se baldam para os bons exemplos ou à conta da vontade em matar saudades.

Estamos todos fartos e cansados de rotinas que atrofiam a mente e nos fazem crescer para os lados, dos ódios que o distanciamento forçado não corrige a tempo e horas e das ausências que nos tiram a alegria de viver. Contudo, importa não prevaricar nesta quadra de recolhimento, tanto no espaço público, como nas unidades de alojamento e diversão local.

Se for caso disso, perdoem-nos as notícias, os explicadores e os conselhos sobre como evitar o vírus que, pelos vistos, os sábios do burgo não apreciam, pois julgam não ter mais nada para aprender. Aliás, gabam-se que só foram infectados por mero acaso, viram morrer um familiar mais velho porque não havia nada a fazer e como na sua tribo tudo é óbvio, há coisas que nem com desenho.