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His Way

O meu pai foi alguém que quis viver apenas de acordo com as suas convicções e fê-lo

Ontem fez uma semana que decorreu o funeral de Teotónio Melim. Era uma pessoa de personalidade bastante vincada que tinha como amigo “meio” Funchal, mas que, acima de tudo isso, era meu pai, um homem que viveu como queria independentemente das consequências que tal atitude trouxesse. Creio ser essencial, ao invés de me ausentar dos artigos de opinião neste mês, fazer uma dedicatória a uma das principais pessoas que me moldaram e que, para lá da vida, ainda se preocupou em acalmar o meu choque de o ter perdido de forma tão repentina.

Como muitos que já passaram pela mesma experiência, percebi que o ritual funerário apenas parcialmente tem a ver com a ideia de agradar ou honrar o falecido. É antes um “favor” que se presta aos que são deixados para trás na sua condição existencial finita – os vivos — a fim de que a vida possa continuar o melhor possível após a perda de entes tão importantes. No evento fúnebre da semana passada, a missa de réquiem foi dispensada de acordo com as posições do meu pai. A paz espiritual não foi encontrada em palavras “filosófico-religiosas” de um sacerdote, mas na música que o meu pai pediu que fosse tocada nesta ocasião – “My Way” de Frank Sinatra.

Desde a minha infância que o meu pai me revelara o seu gosto por Sinatra. A verdade é que nunca falámos do porquê de apreciar esse estilo de música, mas lembro-me claramente de me mostrar “My Way” enquanto cortava lentes para óculos. Quem diria que seria essa música que me faria lembrá-lo para o resto da minha vida? Acredito agora que a escolha dessa música surgiu como gesto de solidariedade para com o sofrimento que muitos de nós estamos presentemente sentindo. Uma autêntica afirmação de que “vivi o que tinha a viver da forma que quis e não me arrependo de nada, portanto não sofram por mim”.

Infelizmente, num mundo prático como o que vivemos, nunca (ou raramente) podemos pensar na realidade de que podemos perder pessoas de um dia para o outro. É por isso que ninguém se encontra preparado para receber a notícia de que nunca mais vai poder interagir com as pessoas que ama ou, pior, que nunca mais voltará a ver o seu pai. É também por essa incapacidade emocional de se preparar para algo tão inconcebível que certas coisas acabam por nunca ser ditas (apesar de serem intuídas). Por isso, de facto, o melhor a fazer é viver sem arrependimentos e se deixar guiar pela felicidade já que o “amanhã” não é garantido. Foi este o estilo de vida do meu pai e foi, através dele, que conseguiu pedir desculpa e consolar os que o perderam por ter partido muito antes do seu tempo.

O meu pai foi alguém que quis viver apenas de acordo com as suas convicções e fê-lo. Será, sem dúvida, lembrado por isso. É exatamente isso que qualquer filho pediria – que o pai fosse recordado pelos seus ideais e pela coragem de os assumir. Como se costuma dizer: “Pai, há só um” e o meu foi o melhor.