Artigos

Já não quero ser princesa

É normal, quando somos adolescentes, querermos ser princesas e ter um príncipe encantado. Não fosse o Tom Cruise a me ter trocado as voltas e eu continuaria a querer casar com um príncipe, mas o tempo passou e eu caí na realidade. Até domingo, eu até podia querer encontrar o meu príncipe, não fosse a entrevista assustadora daquele casal que fugiu de Inglaterra, porque a família real parece que tinha medo de ter um neto de carepinha. Tive pena da pequena, a mãe, que afinal era uma princesa presa na torre. É verdade que o nariz não engana, o tom de pele da mãe dela também não, mas daí até fazerem a vida negra – esta expressão é estranha – ao casal…

No mesmo dia da entrevista, as televisões portuguesas rejubilavam com as medalhas no campeonato de atletismo do fim de semana, com três títulos para Portugal. Três negros, dois deles nem falando bem português, fizeram-nos sentir orgulho na nossa Bandeira e gostámos de ver a Patrícia Mamona a chorar a ouvir a Portuguesa. Não nos importamos com os cabelos da Auriol Dongmo (e eu acho que nunca vou conseguir dizer o sobrenome da miúda), só queremos saber se estes negros trazem medalhas para o nosso palmarés que já não conta com estrelas como Rosa Mota, Carlos Lopes, Fernanda Ribeiro, Aurora Cunha, os irmãos Castro. Deixo desde já claro que não há qualquer intuito racista nas minhas palavras, porque quem me conhece há muitos anos sabe que o meu primeiro namorado não era propriamente branco. Mas é verdade que há alguma coisa de estranho neste século XXI. Os atletas que nos trouxeram as medalhas olímpicas no final do século XX eram, de facto, nados e criados em Portugal, agora temos um luso-cubano, que em 2017 estava a vestir a camisola da seleção cubana na Alemanha e desapareceu misteriosamente, surgindo alguns dias depois em Portugal. Uma nascida nos Camarões com nacionalidade portuguesa desde 2019 e a Mamona, de ascendência angolana, nascida em Lisboa. Uma história normal de uma família de uma ex-colónia portuguesa. Até se entende. E sentimo-la como portuguesa. Como nossa. Com anos de títulos e conquistas.

Não sei se os portugueses brancos deixaram de correr ou se só deixaram de ter pernas para acompanhar o ritmo destes cubanos e camaronesas, mas acho que a família real britânica anda a ver o filme ao contrário. Nós aqui a exuberar a nossa nacionalidade com pessoas que nem falam bem português e os ingleses a retirar títulos reais aos bebés, porque eles podem ter nariz de zaragatoa. Mandem-nos o Archie. A gente trata bem do pequeno. Com um bocadinho de sorte, até conseguimos ensinar-lhe o Bailinho da Madeira e a dizer “semilha”. A cor não nos interessa. Queremos é títulos.