Crónicas

Vacinação contra a impunidade

Devem ser vacinados aqueles que são essenciais no processo de salvar vidas e aqueles que maior risco correm de perder a sua vida

Todos os dias aparecem novos casos de pessoas vacinadas à margem da lei. Há sempre uma desculpa, uma razão dada, uma explicação para o sucedido. Revolta-nos a todos. Mas à parte deste miserabilismo que nos envergonha mas do qual acredito não estarmos excessivamente surpreendidos, (afinal de contas já conhecemos o funcionamento da sociedade onde nos inserimos) existem razões para o que se está a passar. Em primeiro lugar o planeamento. Quando a 1 de Dezembro um amigo meu alemão me dizia que um dos muitos centros de vacinação que estavam a ser construídos um pouco por todo o país se situava precisamente ao lado da sua casa eu percebi que mais uma vez íamos chegar atrasados e desorganizados naquela que se pode concluir ser a batalha das nossas vidas. A segunda razão foram os critérios. Devem ser vacinados aqueles que são essenciais no processo de salvar vidas e aqueles que maior risco correm de perder a sua vida.

Quando o processo não é claro, não é transparente e falha no rigor dos procedimentos abre-se espaço para que toda a escória que temos em Portugal se liberte das valetas e se assuma sem o mínimo peso na consciência. Porque para esses vale tudo para salvar a própria pele e a pele dos seus. Não interessa se pessoas podem morrer por não lhes chegar a vacina a tempo, pouco importa se todo os profissionais de saúde se estão a submeter a um risco tremendo ou sequer se existe uma normativa ética e moral que os faça pensar se aquilo a que se submetem está certo ou não. Porque no fim do dia esses fura filas sabem que mesmo sendo vacinados à margem da lei vivem num País onde nunca se retiram consequências dos maus atos praticados. Porque vivemos num regime de impunidade em que a culpa morre invariavelmente solteira.

O que mais assusta e revolta a quem assiste a tudo isto nem é a existência destes seres que se prestam ao maior espetáculo coletivo da decadência humana. O que mais revolta é que todos eles continuam nos seus cargos e que quando atuam premeditadamente já sabem ( por diversos outros exemplos ) que a espuma acabará por passar e nada acontecerá. Pessoas que fazem parte de instituições inseridas na comunidade com o objectivo de a servir e de a salvaguardar e que demonstram que afinal só estão lá para se servir e não o contrário. Esse é um problema de um País que politiza tudo e que ao invés de escolher os melhores para os melhores lugares, cede ao clientelismo, com soberba e arrogância. Os fura filas são apenas e só o espelho da nossa sociedade.

Não basta por isso que o presidente da dita task force se demita, depois de tudo o que se tem passado e das declarações infelizes que proferiu. É fundamental tirarmos daqui ilações para o futuro, sob pena de darmos todas as armas ao crescimento deste sentimento, de perda total da confiança em quem nos lidera, abrindo de vez a porta a extremismos e a tumultos sociais. É que já ninguém acredita na história das sobras e das atitudes inocentes. Qualquer pessoa com um pingo de decência e que não seja mal intencionada saberia por certo que se sobra alguma vacina existem casos prioritários e todos nós conhecemos alguns. Essa história do “estava aqui e ou era eu ou ia para o lixo” não colhe e ninguém acredita nela. Mas o exemplo tem que vir de cima e mais uma vez falhou. E não tentem vir com falinhas mansas e discursos delicodoces porque são vidas que estão em causa. Quem chega a este ponto tem que ser responsabilizado e a sociedade merece saber quem são estes que numa altura tão difícil escolheram o egoísmo e a ganância num exercício que só nos pode envergonhar a todos. Infelizmente continuaremos sem vacinação para a impunidade.

Fechar Menu