Artigos

Os novos pedintes

Nunca senti um desfasamento tão grande entre a vida real e a política e fico mesmo desconcertado por perceber que, no meio de uma crise sem precedentes, a ocupação maior é jogar ao “Quem quer ser candidato autárquico em 2021?”.

Também se joga aos anúncios a granel: Garantir+; SI Funcionamento; Linha de Crédito Apoiar Madeira; Apoio Financeiro MeP-RAM; Linha Investe RAM; Adaptar RAM; Programa Apoiar; Reprogramação de Fundos… Tudo junto, mesmo que nos chegasse (não é esse o caso), não seria suficiente mas isso não interessa nada.

Bem sei que o objectivo último é o de transformar-nos a todos em pedintes. Finalmente, mesmo os mais independentes vão ter de andar a estender a mão e aguardar, de forma ordeira e pacata, que caiam umas migalhas do orçamento que permitam a sua sobrevivência.

Ao mesmo tempo, os de sempre planeiam banquetear-se com fundos à fartazana, de obras e mais obras, com a TAP metida pelo meio no absurdo que foi a sua nacionalização. Sozinha, recebe mais dinheiro que todas as empresas do sector do turismo juntas, empréstimos incluídos.

Sejamos claros: - estamos fartos de anúncios, nos quais há muito deixámos de acreditar e muitos de nós começaram já a explicar aos nossos (para mim, colegas; para os partidos, eleitores…) que os apoios não estão a chegar, nem a tempo nem muito menos de forma suficiente. Não há dinheiro, dizem em surdina nos intervalos para publicidade.

A bazuca permitiu-nos perceber que, mesmo quando o “carcanhol” existe, nós o que queremos é gastá-lo a aumentar dependências. Juntar pedintes aos clientes do costume; a lista está a engrossar…

Enquanto isto se passa, na vida real, 80% da hotelaria madeirense está fechada e alguma dela não mais voltará a abrir portas. A que permanece aberta tem ocupações médias a rondar os 10% com a eventual excepção, pela positiva, de algumas unidades fora do Funchal.

Os ordenados em atraso afectarão já cerca de 10% dos trabalhadores do sector e este número, a cada mês que passa sem que nada se faça, vai continuar a aumentar. E mais empresas vão fechar.

O cenário só não é pior porque os novos pedintes andam há largos meses a meter dinheiro próprio nas empresas para as aguentar, mas esse dinheiro está a acabar... E as consequências desta descapitalização serão enormes no futuro do sector!

O que recebemos do layoff e apoio à retoma não cobre sequer a totalidade dos impostos e contribuições devidas, que correspondem aproximadamente a 25% da estrutura de custos de um hotel fechado.

Com receitas a tender para zero e empréstimos já totalmente consumidos, porque andamos nisto há quase 1 ano, devo resignar-me à pedincha? Continuo a achar que posso exigir responsabilidade pelas decisões que se tomam, respeito pelo trabalho passado e pelos sacrifícios do presente, isto se quisermos ter algum futuro. Mas a política está a ganhar à realidade..

A única questão que me podem assacar, essa muito justa, é de que não consigo definitivamente gerir os caracteres que me concedem, como bem se vê neste escrito…