Análise

Sonhos milionários

E como canta Jorge Palma, “enquanto alguns fazem figura, Outros sucumbem à batota”

Passei a semana a contar os milhões de euros propagandeados pelo executivo madeirense, cruzando-os com os valores reclamados por empresários, autarquias e instituições. Perdi a conta às contas que não batem certo. O que é efusiva e alegadamente derramado na economia real não corresponde ao que é desejado e efectivamente recebido por quem tem mais que fazer do que mentir. Basta coleccionar depoimentos, desabafos e opiniões, alguns dos quais comoventes, para percebermos a dimensão da tragédia e a angústia dos lesados, fatalidade que nenhuma conferência de imprensa, ‘outdoor’ ou campanha eleitoral consegue disfarçar. Basta atender ao saldo dos empréstimos bancários concedidos a empresas na Madeira, que ascendia a 1.941 milhões de euros em Dezembro de 2020, mais 28,6% do que no ano anterior, para dissipar outras dúvidas. Basta andar na rua. E andamos neste dramático desencontro, com sofrimento acrescido desde há um ano, com uns a garantir dar e outros a desesperar, com uns a prometer mundos e fundos que tardam e outros a pagar na hora caixa, impostos e taxas, com as poupanças que já acabaram.

Neste atribulado exercício e repugnante passatempo, dada a mescla de batota que se cruza com a prosa repetitiva, a várias vozes, de números ora provisórios, ora finais, ora roubados sem pudor, ora negociados na véspera, os milhões atropelam-se e espatifam-se. Não chegam a lado nenhum. Somem-se. Até o insuspeito Governo é obrigado a ir à banca dada as necessidades de tesouraria numa Região com menos receita.

Mas antes decide avançar com 29 milhões de euros de apoios às empresas, menos um do que havia sido assumido em Outubro passado por Rui Barreto. E depois entra em roda livre, com pregões em directo ajustados aos públicos: 561 milhões do PRR, que afinal são 770 milhões na versão de Pedro Calado; 326 milhões para empresas; 172 milhões para ampliar o Porto do Funchal; 4,5 milhões para fiscalizar o novo hospital; 2,3 milhões para renovar a frota da ARM; respirem… e 1,8 milhões para os agricultores.

É muito milhão, quem sabe confusão propositada para ganhar tempo em ano de autárquicas e empurrar para a frente o que é inadiável. Mas não pode ficar sem reparo.

Já agora, seria interessante saber quando é que o Governo paga a quem deve. Por exemplo, Marítimo e Nacional, que continuam a competir e com despesas fixas a contar com o erário, chegam a Fevereiro sem um cêntimo do governo - um milhão! Devia ter sido pago até agora - e com tudo em dia. É obra.

Seria interessante que o executivo, o mesmo que entregou o estudo de impacto ambiental da estrada das Ginjas à empresa da Charneca da Caparica criada 3 meses antes do documento que custou 75 mil euros, não desse o flanco, evitando colocar-se na condição de suspeito, dada a hostilidade expressa sempre que alguém sugere em comissões de acompanhamento e gestão de dinheiros públicos.

Seria interessante que a poderosa máquina governamental soubesse separar as águas, não confundindo o exercício admirável da gestão da coisa pública com os interesses tribais. Almoços partidários na Quinta Vigia, visitas a investimentos privados para garantir tempo de antena nos meios públicos e encher os espaços informativos oficiais e aproveitar cargos actuais para outras corridas são dispensáveis e eticamente questionáveis, mesmo não sendo ilegais.

É inevitável abordar a estratégia de protecção a Pedro Calado. Salvo alguns atrevimentos pontuais, aos sábados, ou na hora da sesta, só o Vice-Presidente tem direito a aparecer, sobretudo nas semanas em que são feitas sondagens autárquicas. Calado procura naturalmente o conforto necessário para assumir sem medos o que já está decidido há vários meses. Mas não precisa. Tem mérito e experiência, trabalha e é influente. Só tem que ir a votos, ganhe ou perca, mesmo não tendo nada para provar. O que já fez, e é muito, é cartão de visita. Por isso, nem precisa de esticar a corda, fazer-se à fotografia, manifestar azedume ou conter a ira. Respire.

Enquanto isto, na telefonia passa uma das múltiplas intervenções cívicas de Jorge Palma que aos mais distraídos lembra que “o sistema é antigo e não poupa ninguém”!!!!! Mas como ele canta, “enquanto houver estrada pra andar… a gente vai continuar”. E assim será, mesmo que os 210 milhões do Euromilhões tenham saído... no estrangeiro.