Coronavírus Mundo

Criatividade e paciência salvam pais que aguardam fim do confinamento na Alemanha

None

 Escolas abriram parcialmente, jardins-de-infância aumentaram a capacidade para receber crianças, mas na Alemanha ainda há muitas famílias que aguardam o fim do confinamento para ter onde deixar os filhos.

Ozgur Cicek e Kerem Halicioglu respiram de alívio. Mas ainda só um bocadinho. O casal turco vai esta semana voltar a levar o filho de oito anos à escola, ainda que só a tempo parcial. São mais de dois meses de uma "rotina deprimente", confessam, em que "o inverno se tornou mais escuro e mais longo".

"Tentamos sair de casa todos os dias, durante um par de horas, para que ele possa apanhar um pouco de ar fresco. Vamos os três, ou apenas um de nós com ele, para que gaste energia e consiga dormir melhor à noite. Às vezes encontramo-nos com um amigo. Tentamos ser criativos todos os dias para conseguir mantê-lo ocupado", confessam, em declarações à agência Lusa.

O maior desafio, admitem, tem sido manter o filho entretido dentro de um apartamento de 52 metros quadrados, e compensar a falta de contacto social. Sem qualquer ajuda familiar, estes dois académicos tentam conciliar tudo para "continuar a funcionar" e "dar tempo à família e ao trabalho". "Não fomos a casa, a Istambul, neste último ano, não vimos a família, nem os amigos. O meu filho, por exemplo, já não quer falar com os avós por Skype porque já não significa nada, passou muito tempo (...) Isto influência a relação que ele tem com as pessoas de lá, algo que teremos que corrigir e compensar mais tarde", lamentam.

Para a espanhola Maria del Mar Reines, a organização tem sido chave. Depois de terminada a licença de maternidade, em agosto, voltou a trabalhar a tempo inteiro, tal como o marido. "Ao fim de semana organizamo-nos, tentamos perceber quando é que temos reuniões, e repartimos as horas. Não temos ajuda de baby-sitter porque não tivemos tempo de procurar devidamente antes da pandemia. Fazemos turnos. O meu marido madruga, e começa duas ou três horas antes da nossa filha acordar. Eu trabalho durante a noite e madrugada", explica à Lusa. A filha voltou ao jardim-de-infância, mas a tempo parcial, apenas até às três da tarde.

"O que mais me custa é sacrificar tempo com a minha filha para poder compensar o trabalho, penso que isso é transversal a todos os pais. Ter de a ouvir a dançar e a cantar com o pai na sala, e eu estar fechada no quarto a trabalhar", partilha, com tristeza. As escolas e as creches reabriram esta segunda-feira em 10 dos 16 estados alemães, depois de já terem sido reiniciadas em outras duas regiões.

Em Berlim, por exemplo, os jardins de infância aumentaram a capacidade para receber crianças de 50% para 60%. Nas escolas, as aulas presenciais passam a acontecer apenas para os alunos dos 1º, 2º e 3º ano em tempo parcial. Todas as outras crianças e jovens têm de esperar.

"Antes de a pandemia começar, tínhamos apoio familiar, porque os pais do meu namorado moram em Berlim. Por opção nossa, decidimos, desde março do ano passado, cortar qualquer contacto com eles por medo de contágio", partilha Sara Maurício. Ao contrário de muitos casais que perderam o emprego, ou atravessam situações de lay-off, para esta portuguesa o trabalho aumentou, e muito, por estar integrada no departamento de crédito de risco a empresas num banco alemão.

"Com o segundo 'lockdown'(confinamento) tivemos uma abordagem diferente. Devido às nossas profissões, foi-nos dada a opção de ter um lugar na creche. Depois de termos a experiência do primeiro confinamento, e de já estarmos muito cansados, a todos os níveis, decidimos usar esse direito", revela. "Agora as coisas estão a ser muito mais fáceis. No primeiro confinamento tudo era novo, foi uma adaptação repentina, agora já sabíamos com o que contar, e já estamos mais mentalizados, e arranjamos uma rotina e estratégia familiar para gerir as coisas", adianta à Lusa.

O filho está no jardim-de-infância de segunda a sexta-feira, até às três da tarde. "Não é fácil ter esta pressão constante ao longo do dia, cada dia. É uma rotina muito grande, de gerir o trabalho, a casa, o nosso filho. E eu tenho o sentimento que não sou ótima no meu trabalho, não sou ótima mãe, não sou ótima em nada, digamos que neste momento me sinto em modo sobrevivência, sem querer exagerar", sublinhou.

A polaca Sarit Peschke-Szelag admite que a filha, a frequentar o terceiro ano de escolaridade, é quem te sofrido mais na família. "Tem, desde o primeiro confinamento, graves problemas de aprendizagem. É uma situação que infelizmente não será ultrapassada com facilidade", confessou. Com um trabalho a tempo inteiro que a obriga a ir todas as manhãs à empresa, e com o marido em lay-off, Sarit passa o dia a correr para conseguir ajudar a filha com os trabalhos da escola.

Apesar de não ter qualquer apoio, não lhe foi permitido o acesso "excecional" à escola. Aram Sukiasyan, pai de uma menina em idade pré-escolar, fala de um "sentimento de culpa constante". "Tomar conta dela, enquanto tentávamos trabalhar e fazer as coisas em casa, cozinhar, era muito difícil. Ao mesmo tempo, era duro ver que não lhe conseguíamos dedicar tempo suficiente, e ela estava, ou a ver televisão, ou a brincar sozinha", realça.

O casal, de origem arménia, admite que os dias são sempre "muito intensos", mas não esconde o alívio por agora poder contar com a creche algumas horas por semana. "Teoricamente deveríamos trabalhar oito horas por dia, mas, devido a esta situação, e à mistura entre a vida familiar e profissional, no nosso caso acabamos por trabalhar mais horas do que o suposto. Também noto que, por parte das empresas, a pressão é maior. Talvez porque não nos controlam e não nos vêm", apontou.

As aulas presenciais, interrompidas a meio do mês de dezembro, estão a ser retomadas em condições sanitárias drásticas, com aulas alternadas entre grupos e funcionários fixos que não poderão atender outros alunos. O Governo também planeia acelerar a vacinação de professores e educadores.