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Redução de Perdas de Água nas Redes de Distribuição da Madeira (III)

“O ciclo da água e o ciclo da vida são, na verdade, um só.”

Jacques-Yves Cousteau

Já no (longínquo) ano de 2002 o Plano Nacional da Água estipulava que a Água Não Facturada (ANF), para os casos em que o seu valor fosse superior a 50% (situação actual da Região, rondando os 70%), deveria diminuir para 35% até 2006, 30% até 2012 e, finalmente, para 15% até 2020 (agora, portanto…). Posteriormente, o Plano Estratégico PEAASAR 2007-2013, aprovado em 2006, reforçava essa necessidade de redução.

Com este enquadramento, no arranque dos projectos de redução de perdas de água com os Municípios do Funchal e de Santa Cruz, em 2014, o valor definido como objectivo (ambicioso) para a ANF foi de 15%, meta essa que, temos todos consciência, só com muito trabalho, correcto investimento (em recursos humanos e financeiros), e num prazo temporal suficientemente alargado poderá ser atingida.

Claro está que, neste tipo de trabalho, não há milagres, nem descoberta da pólvora, nem sequer grandes inovações nos princípios de actuação. O que se fez (e se está a fazer) para atingir esse objectivo, nomeadamente nos municípios da Madeira para os quais trabalho, utiliza os mesmos critérios, iguais leis da Física e o que de mais avançado há sobre o ‘estado da arte’ que todos os técnicos da área, em toda a parte do Mundo, utilizam. Usando essas bases em conjunto com muito e paciente trabalho de equipa (nomeadamente com os técnicos municipais, indispensáveis conhecedores da realidade local), tomam-se assim as decisões consideradas mais adequadas para a mitigação do problema, projectando soluções eficazes para que, posteriormente e no terreno, a obra e o trabalho subsequente possibilitem a obtenção dos objectivos pretendidos.

Conforme referido nas publicações anteriores, dos três tipos de perdas, o correspondente às reais (o que se perde “na rua”, ao longo da rede) é o de maior peso, da ordem do 80-90% do total no caso da RAM. Assim, estas perdas têm de ser o foco principal do trabalho, sendo que, em paralelo, dever-se-ão também tomar medidas de combate às duas restantes componentes, as aparentes (erros de medição, roubos…) e os UANF (usos autorizados não facturados, como ofertas, consumos municipais…), perdas essas exclusivamente comerciais. Assim, acções como uma substituição correcta e criteriosa do Parque de Contadores (começando pelos maiores consumidores), uma fiscalização efectiva, eventuais redefinições de políticas e de usos e regas de solos, bem como as que evitem ao máximo o desperdício de água (por mais legal que seja), deverão ser também incentivadas.

Foquemo-nos então nas perdas reais: o principal aspecto que as condiciona é a gestão de pressões, ou seja, é necessário reduzi-las para um mínimo que satisfaça as necessidades dos utilizadores, sendo que essa diminuição é quase directamente proporcional à das perdas reais. Tome-se como exemplo o que se projectou para Santa Cruz e que se ilustra na figura 1, nas situações actual , após a obra prevista (figura 2) e diferencial (figura 3), com as maiores pressões em tons vermelhos.

Com esta diminuição de pressões (da ordem média dos 2 bar) conseguir-se-á uma redução de perdas (no caso, reais) de cerca de 3(!) milhões de m3 (Mm3) por ano, sendo que o total actual é de, aproximadamente, 7 Mm3 anuais - ou seja, as perdas reduzir-se-ão, numa primeira fase de pós-obra, para menos de 60% do volume actual.

No entanto, para que se atinja o objectivo pré-definido (15%), essa diminuição não é suficiente, pelo que há que preparar o sistema para que se possa continuar a fazê-lo, através dos anos, em trabalho de “formiguinha”. Assim, torna-se também necessário sectorizar a rede, ou seja, “dividi-la” em zonas relativamente pequenas com medições de pressão e caudal próprias (ver figura 4), evitando-se andar “à cata de uma agulha no palheiro”.

Sendo esses valores enviados remotamente para um Centro de Comando que centralizará e tratará toda a informação, poder-se-á assim efectuar um controlo eficaz e uma monitorização assertiva da rede, detectando precocemente problemas, nomeadamente roturas, (Figura 5, fonte EPAL), passando a dispor-se, igualmente, de informação para que, com equipamentos próprios de detecção de fugas na rede e ramais (Figura 6), se possa ser pró-activo na pesquisa de derrames, em vez de apenas se reagir, nomeadamente a rebentamentos bem visíveis ou a reclamações da população.

Refira-se ainda que, para uma efectiva redução de perdas reais, será necessária também a substituição de troços com elevadas perdas, quer de água, quer de energia - aspecto a tratar, numa primeira fase, em simultâneo com a gestão de pressões, com vista a um bom funcionamento hidráulico do sistema - e uma consistente e criteriosa reabilitação da rede, nomeadamente de condutas e ramais em mau estado, e que deverá, anualmente e no mínimo, ser da ordem dos 2,5% do comprimento da rede.

Na conclusão deste artigo lanço uma última reflexão: a situação actual das perdas de água na RAM, ao nível dos 70%, é insustentável, quer financeira, quer ambientalmente, pelo que o desperdício e a ineficiência não podem continuar, pondo em risco esta e as próximas gerações. Havendo soluções para atingir níveis elevados de eficiência hídrica, conceptualmente simples mas que exigem tempo, trabalho e, sobretudo, investimento bem direccionado, não seria altura de todos, como Comunidade, se unirem em prol do futuro, nomeadamente através do desenvolvimento de Contratos-Programa entre o Governo Regional, as Autarquias e a ARM? É que o problema das perdas de água não é uma questão política, é uma questão de sobrevivência.

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