Crónicas

A Pão e Água, 9 meses = 0

Existe uma certa hipocrisia na nossa sociedade quando o tema tem a ver com negócios que funcionam em horário noturno, sobretudo se falarmos de bares e discotecas. Na verdade, já todos fomos jovens e nessa altura quase todos gostávamos de beber o nosso copo, de dançar numa pista de dança ou de sair para ouvir música. Mas muitos dos que antigamente calcorreavam as discotecas por esse país fora, são hoje em dia rezingões acossados no sofá, já sem o mesmo espirito e com diferentes vontades. Para alguns parece que tanto tempo passou que nem sequer se recordam do quanto foram felizes, das pessoas que conheceram para a vida e das aventuras que lhes proporcionavam. Acomodaram-se no tempo e em vez de perceberem o quão saudável pode ser ( seja qual for a idade ) uma saída noturna, preferem proferir uns dislates, muitas vezes sustentados num “antigamente é que era” e que agora como lhes falta a autorização para isso recomendam que se acabe ou se lhes dê pouca importância.

Mas também existem os outros, os que sempre que podem dão um ar da sua graça, que continuam a gostar de uma bebida e para quem uma saída é uma oportunidade para respirar e esquecer por momentos os problemas. Talvez o único momento da semana onde conseguem ser felizes sem pensar em mais nada. Uns e outros já se divertiram tanto que quando estão com os amigos de sempre, parte do livro das memórias mais aventureiras, que adoram contar, inclui sempre pelo menos um capitulo, onde tudo se passou numa daquelas noitadas, em que tudo parecia acontecer e a magia pairava no ar. Mas também existem os mais novos, aqueles que continuam a frequentar dia após dia, semana após semana, que sentem a emoção das primeiras saídas, que formaram os seus grupos de amigos em festas e que foi lá que conheceram a primeira namorada ou namorado. Todos esses e todos nós que já fizemos parte dela de uma forma ou de outra devemos-lhe a atenção o reconhecimento e o respeito. Porque é nas alturas difíceis que devemos estar presentes e não só quando precisamos de colocar nomes na Guest List ou de ligar a este ou aquele para dar entrada no espaço desejado.

Essa noite que brilha e que nos faz ou fez vibrar é feita de muita gente. Gente boa que vos serve os copos ou trabalha para que a iluminação esteja perfeita. Gente que vos dá musica e que vos recebe à porta. Que zela pela vossa segurança e dos vossos filhos e que produz conceitos que vos fazem sonhar. Mas também os que menos se veem. Os que distribuem e vendem bebidas, os das limpezas, técnicos de som, contabilistas, gerentes, músicos… O entretenimento noturno é feito de todos esses e de todos nós. É muitas vezes onde a democracia mais impera e nem sempre o mais rico ou o mais poderoso se impõe. Numa pista de dança, com a luz a mover-se sobre nós, quando a música irrompe no nosso corpo fazendo-nos sentir emoções que nos carregam no sorriso cada um de nós é dono do seu poder. Ali quem manda é quem melhor se move quem mais se entrega.

Esses momentos pararam há 9 meses e ao contrário de tantos outros não funcionam nem a meio gás. Nem dá para pagar as contas que continuam a bater à porta todos os meses. Não dá para alimentar famílias, nem para cumprir com planos de vida que muitos, a pulso e à custa de muito esforço tinham traçado mas pior que isso, impede-os de cumprir com os outros, com os funcionários que sempre os acompanharam e que também têm famílias ou com os fornecedores. Não dá para nada por há 9 meses que é ZERO.

Nós que já fomos tão felizes numa dessas festas não podemos agora virar a cara para o lado e dizer “ ah é a noite” existem outras prioridades. Não, não é a noite. São empresas que sofrem mais do que todas as outras porque estão completamente encerradas e acima de tudo são pessoas que já te deram tantas alegrias a mim e a ti. São vidas que se encontram praticamente a Pão e Água sem que ninguém queira saber. Mas nós que carregamos nas memórias momentos tão bons ali passados temos o dever de os apoiar e de fazer de tudo para que não caiam no esquecimento. Porque um dia podemos querer lá voltar, porque se calhar gostaríamos que os nossos filhos pudessem viver o que nós ali vivemos e porque fomos tão felizes. Porque não é justo proibi-los de trabalhar e ao mesmo tempo não se criarem medidas concretas. Porque desta vez são eles que precisam da nossa ajuda.

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