Crónicas

As vacas que não voam

Estão cientes do que a mudança de modelo no turismo acarreta? Anotaram alguma coisa? É que nada mudou com as outras inoperacionalidades

Das condições climatéricas que ultrapassam os limites impostos pelos construtores de aviões e do aeroporto estamos falados, quanto às condições dadas aos passageiros durante a inoperacionalidade do campo de aviação, é outra coisa. Qual o plano de contingência para estas situações? Tudo ao molho e fé em Deus, são muitos os avisos mas ninguém liga. O aeroporto do bi-melhor destino insular do mundo no World Travel Awards é conhecido por tarifas aéreas exorbitantes e taxas aeroportuárias que escaldam, no entanto mal foge da rotina não há plano B e os preços são um logro, passamos de passageiros a gado. Quando as vacas não voam, toda a pastagem é deixada à sorte pelos cowboys gestores, quiçá em busca de um prémio de excelência ou produtividade, escravizando todos e fugindo à responsabilidade. A falta de resposta corresponde à ausência de trabalho em matéria de prevenção e seguro colectivo para as eventualidades que já não são tão dispersas no tempo.

O Aeroporto da Madeira deve ter colchões, cobertores e almofadas para situações de emergência. Não é novidade noutros aeroportos onde vemos militares a ajudar, bastava repetir a logística da semana do desporto. E que tal um apoio a bebés e crianças? Informadores itinerantes? Aumento da frequência das limpezas? Locais para carregar telemóveis? Reforço de turnos? Nem equipas de apoio com água e copos para ultrapassar o esgotamento de stock nos bares e a inacessibilidade às torneiras dos WC com filas metabólicas. A água deixa de ser um negócio para ser uma urgência na inoperacionalidade, se começar a haver desmaios comprovaremos como não foram activados serviços de apoio consentâneos com a aglomeração de pessoas sem condições e em espera por largas horas de pé.

Naqueles dias, a fila do principal balcão de atendimento dava a volta pelos elevadores e prosseguia em frente à loja das revistas, dos drops e por aí fora. Quem começou na zona das revistas, ao fim de 12 horas estava em frente à polícia; estimando-se em mais 6 horas para ser atendido, desistiu pois o balcão estaria fechado quando lá chegasse. Não cobrar as remarcações e paralelamente não reforçar o call center é uma não decisão, agravada ao não permitir que agências de viagens aliviem o trabalho do call center intervindo nas suas passagens. As extensas filas no balcão principal foram sintoma do descrito. Belo foi cumprir o horário de serviço e encerrar às 23 horas, insensível ao caos e à sensação de impotência porque ninguém atende telefones. Os que tiveram sorte no atendimento presencial, por persistência de um dia de trabalho, o caso não foi resolvido, na maior parte, as remarcações renderam até uma semana depois. Alguns, satisfeitos ao chegar ao hotel para descansar, mesmo com voucher, não tinham lugar. O remédio foi passar a noite no aeroporto. Nestas horas, os direitos dos passageiros pouco contam, vencidos pela inércia ou pela resignação.

Aprenda a domesticar o metabolismo, abstenha-se de comer e leve fraldas na bagagem de mão. Durante a inoperacionalidade do aeroporto, a sua necessidade fisiológica deve manifestar-se horas antes, lembre-se da bicha. O aeroporto não tem um espaço multifuncional capaz de se adaptar às eventualidades como servir refeições do Catering, que está a dois passos, para que as senhas tenham utilidade quando se esgota a comida no aeroporto ou albergar sanitários e lavatórios portáteis. Nestes momentos tudo emerge, o aeroporto, longe de corresponder ao básico, é um comerciante de preços proibitivos, desde logo pelos estacionamentos, tornando os bares da Estrada Regional 207 sede das esperas dos familiares e operadores turísticos.

Aquele inócuo e-mail da Directora do Turismo a apelar aos hotéis para resolverem o problema dos alojamentos soa como se estes não quisessem vender ou arranjar uma cama no vão da escada, quando tudo falhou no aeroporto, a caminho do plano D, Desenrasquem-se. Zelar pela qualidade do destino é da responsabilidade e supervisão do GR. É preciso ir para o terreno. A Directora sabe que umas escadas foram substituídas por um elevador até que viram o erro e agora pensam encerrar uns WC para fazer umas escadas de novo? Os tais WC que não deram para as encomendas nesta inoperacionalidade. Despejar dinheiro na promoção não terá qualquer efeito com estas barracas, não falo de vento, falo de ausência de profissionalismo e brio não comerciante que anda a reduzir custos onde não deve.

Quando me perderam a mala na Alemanha, ao chegar ao balcão encontrei uma “alemoa” com um esbelto corpo que me levava debaixo do braço, hesitei. Esclarecida a situação, o seu sorriso foi bingo! Ganhei um necessaire com tanta coisa e o compromisso de mala no hotel com hora marcada, o momento tornou-se numa boa recordação e a eficiência suavizou o estado de espírito. Se a “alemoa” viesse à Madeira, a lembrança seria o chão do aeroporto, com sorte levava-nos o director debaixo do braço. Vi-o relaxado a falar com um ex-governante “atropelado” pela situação, tanto caos, nenhum stress, por pouco não apareceu John McClane para pôr cobro à situação. Quando tudo é tabu na aviação, desde a informação ao passageiro, às reclamações que se evitam ou desaparecem, aos dados da inoperacionalidade com a ANA, etc, a ANAC deveria ter nestes momentos um representante no terreno se está comprometida com a alínea “y” do artigo 4º dos seus estatutos: “Regular a economia das actividades aeroportuárias, aeronáuticas, de navegação aérea, de transporte aéreo e de trabalho aéreo no âmbito da aviação civil, respeitando o ambiente e os direitos e interesses dos passageiros” para um relatório independente.

Estão cientes do que a mudança de modelo no turismo acarreta? Anotaram alguma coisa? É que nada mudou com as outras inoperacionalidades. É possível transformar maus momentos em boa publicidade até pela cobertura dos média. Uma palavra de apreço aos poucos que em serviço deram tudo. Quando a conjuntura proporciona a vaidade dos números, que tal apostar num plano de contingência que instrua o aeroporto para os desafios da inoperacionalidade? Isso é que era, mesmo com passageiros a pastar seria ... uma vaca feliz, outra vaca feliz, uma ilha de vacas felizes, andam sempre a passear, têm vista para o mar, o pasto verdejante é o seu manjar.