Crónicas

No Centenário da Morte de Manuel de Arriaga

Doutorada em História Contemporânea pela Universidade de Lisboa. Autora do livro Manuel de Arriaga

No passado dia 5 de Março assinalou-se o Centenário da Morte de Manuel de Arriaga, o primeiro Presidente da I República Portuguesa, eleito em 1911. Nascido na Horta, ilha do Faial, em 1840, os seus conterrâneos têm procurado - sobretudo nos últimos anos - manter viva a sua memória, através da reedição das suas obras e de algumas cerimónias evocativas. Contudo, no Espólio Particular de Manuel de Arriaga, à guarda da sua família, um dos núcleos mais importantes da documentação política diz respeito à Madeira. E porquê, à Madeira? Porque Manuel de Arriaga foi por duas vezes deputado pelo Funchal.

Em Setembro de 1882, um grupo de republicanos madeirenses convidou-o para se apresentar como candidato às eleições por aquele círculo. Em Novembro, na primeira volta, Arriaga e José Braamcamp Freire, o candidato monárquico, ficaram empatados. As forças monárquicas surpreendidas uniram-se e apresentaram um novo candidato, o Conde do Carvalhal, chefe do Partido Constituinte na Madeira. Mesmo assim, Arriaga venceu na segunda volta, a 26 de Novembro, deixando as altas esferas do poder em sobressalto. Pois, como explicar o sucesso de um pequeno grupo de simpatizantes da República numa terra tradicionalmente conservadora e monárquica?

A vitória de Manuel de Arriaga na Madeira deveu-se sobretudo às lutas políticas entre os partidos monárquicos e ao facto de os monárquicos madeirenses se terem recusado a apoiar um candidato - Braacamp Freire - imposto pelas chefias do continente. Por outro lado, a Madeira vivia então uma grave crise económica, que gerava grande descontentamento em relação às políticas centralizadoras dos governos de Lisboa, vistos como sorvedouros de dinheiro e incapazes de satisfazer as necessidades do arquipélago. Conjugando-se os dois factores, os madeirenses reagiram utilizando o voto como forma de protesto. Jornais da época e documentos no Espólio de Manuel de Arriaga mostram o alarme das autoridades – a “hidra da anarquia” estava à solta - e o entusiasmo da população que celebrou com euforia a vitória do “deputado do povo”.

De Manuel de Arriaga os madeirenses esperavam que conseguisse alguns benefícios para a ilha, nomeadamente a diminuição dos impostos sobre os cereais, a finalização da levada do Furado, a construção de um novo porto no Funchal e a resolução do problema da emigração para as Ilhas Sandwich, nome então dado ao Havai. Estas e outras questões foram chegando a Arriaga através de inúmeras cartas dos seus eleitores, que fornecem um interessante retrato da Madeira em finais do século XIX. O principal discurso do deputado madeirense sobre o seu círculo eleitoral foi feito, na Câmara dos Senhores Deputados, a 30 de Março de 1883.

Em Setembro do mesmo ano, Manuel de Arriaga visitou a Madeira, tendo sido recebido com foguetes e por centenas de pessoas que o esperavam na praia. Ficou alojado no Hotel Central e passeou com os seus apoiantes, de carro, por Santo António, São Martinho e Monte. Dias depois, o Largo da Fortaleza no Funchal encheu-se de gente para o ver e ouvir. Visitou ainda o Faial, Porto da Cruz, Machico e Santa Cruz.

Arriaga voltou à Madeira mais duas vezes. Uma, em Agosto de 1884, depois da derrota nas eleições e, outra, em Abril de 1885, para defender alguns republicanos presos na sequência dos eventos do ano anterior. Com efeito, as eleições de 1884 foram tensas e sangrentas. Os partidos monárquicos, dispostos a sair vitoriosos, utilizaram estratégias fraudulentas – compra de votos, não abertura de mesas eleitorais, troca de listas republicanas - para eleger os seus candidatos. Na Ribeira Brava houve mortos e feridos, quando que as tropas dispararam contra a população. Manuel de Arriaga perdeu a eleição, mas não se esqueceu dos seus simpatizantes, tendo-se oferecido como defensor dos presos políticos republicanos que foram a julgamento na Ponta do Sol, em 1885.

A ligação de Manuel de Arriaga com a Madeira manteve-se durante a República. Em 1911, foi eleito pelo círculo eleitoral do Funchal para a Assembleia Nacional Constituinte. Como deputado participou na discussão e redacção da nova Constituição e, em 24 de Agosto desse ano, foi eleito Presidente da República.

Manuel de Arriaga faleceu, em Lisboa, a 5 de Março de 1917. A título de homenagem, a Câmara Municipal do Funchal atribuiu – três dias depois - o seu nome a uma das avenidas da cidade. O topónimo manteve-se até hoje, mas quantos saberão qual a sua razão de ser?