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Indisciplina em retalhos

1. Sem filtro Aula habitual – alunos aos empurrões e palavrões, a mudarem de lugar, a atirarem borrachas e aviões de papel uns aos outros, desafiadores da maior paciência, ignorando ostensivamente a minha presença e apelos à calma. “Vamos lá a sentar, escrever o sumário, há trabalho a fazer...” Nem pensar impor penalização do tipo ficar o intervalo seguinte de castigo na sala. O quê? Os ânimos exaltam-se, é preciso mandar sair o aluno X, regimentalmente encaminhado. Pouco depois é reenviado à sala. Notável o seu ar de triunfo... “Olhe, a culpa disto é sua! Vai ver!” “Estás a ameaçar-me?” Novo burburinho e frases do género: “Nós não queremos saber se “a senhora” cumpre o sumário ou não! Não pense que nos vai dobrar... Olhem, lembram-se daquela professora do ano passado, a dos pneus cortados? A “senhora” é pior do que....” O tom do “senhora”!...

Que aulas dar depois disto, que relação pedagógica estabelecer com quem nos rejeita como professor? Noite sem dormir, a tentar encontrar resposta para estes comportamentos. Não há leitura de pedagogos, ações de formação, cursos que valham... Solidariedade institucional? Desistir da turma? São os alunos A, B, C, X, Y, Z que com o seu comportamento agressivo e insolente, desafiador de qualquer manifestação de autoridade, conseguem contaminar a turma inteira pela negativa. E há alunos – poucos! - que parecem querer aprender... Então como fazer?

2. Há dias de sol...

Aula de teste. Finalmente alguns momentos de silêncio enquanto parecem estar compenetrados no trabalho. Prece impossível tendo em conta outros comportamentos que levam quase ao desespero. Mas assim, com eles calados é mais fácil, porque difícil mesmo é fazer a magia, motivar... Como quase sempre acontece nas aulas de quarta-feira. Talvez por serem os últimos tempos, estão cansados, com fome, é quase impossível fazer com que se concentrem nalguma coisa. Às vezes a música, os filmes resultam. Mas, às vezes nem isso... E quando há outro trabalho a fazer? Lá fora na vida, a gente nem sempre tem tudo como quer e há tarefas a desempenhar, estejamos ou não motivados. Nem tudo é prazer... Mas hoje, agora, estão bem, graças a Deus. É das vezes em que não me arrependo de ter continuado com eles este ano. Porque às vezes apetece desistir. Ir embora. Fugir! Quem quiser que os ature... Se calhar foi sempre o que se fez, passar a pasta a outros...

3. Síntese

Os manuais e estudos da indisciplina extravasam de factores do fenómeno, desde perturbações de personalidade, insucesso, origem socioeconómica, contestação ao poder do professor, incapacidade do professor em ser um bom organizador de sala de aula, etc. Mas é inevitável o choque, a frustração, a humilhação sentidos por quem gosta de ensinar, se prepara o melhor possível ao nível dos saberes científicos, pedagógicos e relacionais, e vê a sua competência profissional em causa. Os números do stress e burnout entre os professores não surpreendem. Nem “a conspiração do silêncio (...) que leva o professor a ocultar ou a negar as suas dificuldades no campo disciplinar”, quando “ao sentimento de fracasso profissional se junta o sentimento de fracasso do adulto” (Estrela, M. T. 2002) com a “autoimagem” afetada por um grupo de miúdos e por governantes que respondem ao apelo dos professores para maior rigor nesta matéria, com pérolas do género: “Cuidado! Isso é um argumento da direita!”