Madeira: turistas a mais, madeirenses a menos

A Madeira sempre viveu de braços abertos para quem a visita. Mas, nos últimos anos, a ilha transformou-se num destino saturado: hotéis cheios, estradas entupidas e gente da terra a perder o fôlego no meio da avalanche turística. O que devia ser fonte de orgulho e sustento virou, em muitas zonas, motivo de irritação e desgaste. Basta tentar atravessar o Funchal numa hora de ponta para perceber que já não é apenas “trânsito infernal”: é um sufoco diário.

O turismo trouxe riqueza, mas trouxe também desequilíbrio. A ilha não foi pensada para esta quantidade de carros, autocarros de excursão e alugueres. Os madeirenses sentem que já não têm espaço: não conseguem estacionar, não conseguem circular e, em certos casos, já não conseguem pagar as rendas inflacionadas pela procura externa. O visitante vem, desfruta e parte. O residente fica com a conta.

E agora? Fechar portas ao turismo seria suicídio económico. Continuar assim, um desastre social. Mesmo com a taxa municipal turística já em vigor, é evidente que o fluxo de turistas continua a sobrecarregar a cidade, mostrando que são necessárias medidas adicionais de gestão e planeamento. Investir de forma séria no transporte público, criar parques de estacionamento periféricos e apostar em shuttles elétricos ajudaria a tirar centenas de carros de aluguer das estradas. Promover o interior e os concelhos menos explorados também aliviaria o peso que recai sobre o Funchal e a costa sul. Ao mesmo tempo, torna-se urgente proteger a habitação para residentes, para que o alojamento local não asfixie a possibilidade de um madeirense ter uma casa digna. E, claro, é fundamental apostar em campanhas de civismo que lembrem os visitantes de respeitar trilhos, natureza e espaço público.

A Madeira não pode tornar-se refém do seu sucesso. Quem cá vive merece respirar, circular e habitar sem sentir que é estrangeiro na própria terra. O turismo deve ser um convidado de honra — não um senhorio abusador.

António Rosa Santos