Memória que fica
Com as emoções ainda vivas da despedida de D. Teodoro de Faria, torna-se difícil fazer uma síntese do que pode ser o seu legado como Pastor que governou a diocese do Funchal durante mais de duas décadas. A avaliação que a história fará escapa por certo à monocultura do presente: no imediatismo dos juízos fáceis e das controvérsias que alimentam a vozearia de turbas mais ou menos analfabetas, fica por alcançar uma verdadeira aproximação à verdade e à complexidade de uma vida singular, naquelas dimensões que fazem o valor e o carácter único desta Pessoa no tempo que lhe coube viver.
Toda a missão e opções pastorais de D. Teodoro de Faria foram marcadas por uma “compreensão de proximidade”, advinda do facto do Bispo ser um madeirense entre madeirenses, sem nunca deixar para trás o lastro histórico e o vínculo doutrinal que ligaram desde sempre esta igreja particular à herança e à vida crente da Igreja universal. Nessa grande capacidade de estabelecer pontes e atentar nas mediações concretas que suportam a difusão da mensagem evangélica, contam o seu conhecimento profundo da cultura madeirense e das gentes das Ilhas, das suas tradições, necessidades e valores. A coincidência do seu tempo de múnus episcopal com o tempo da emergência e consolidação da Autonomia, com todo o processo político de desenvolvimento material, social e cultural que, durante esses anos, contribuiu para transformar de forma tão marcante a sociedade madeirense (face ao lastro de subdesenvolvimento que nos marcava tão penosamente até princípios dos anos setenta), foi também “aproveitada” pelo Prelado diocesano para dotar a Diocese de um conjunto de infraestruturas materiais que muita falta faziam na dinâmica pastoral que se pretendia incrementar, até para o alcance prático dos novos objetivos e orientações pós-conciliares.
Assim, sem qualquer pretensão de exaustividade, destacaria alguns temas que pautaram de forma positiva o tempo pastoral de D. Teodoro:
- A edificação de novas igrejas e de outras estruturas de apoio paroquial, mais a nova Cúria diocesana, e a reorganização dos arquivos e serviços administrativos, sabendo-se que infraestruturas adequadas sempre devem funcionar como mediação material e temporal para um trabalho propriamente pastoral;
- A preocupação em implementar mais e melhor formação a padres e leigos, nas áreas da Teologia e Ciências Religiosas, enviando os futuros padres a estudarem na Universidade Católica Portuguesa (UCP) ou mesmo para pós-graduações fora do país, e trazendo também extensões da UCP para ministrarem vários cursos no Funchal, o que naturalmente se traduzia por uma notória qualificação do ensino superior tornado viável na Região, proporcionando a centenas de jovens e adultos madeirenses uma formação de qualidade em alguns ramos das Humanidades ou das Ciências Humanas;
- O seu empenho e contributo muito particular em fazer do Museu de Arte Sacra do Funchal uma instituição museológica de referência da Diocese e da Região, resgatando ao esquecimento, ou à perda irreparável, obras de notável esplendor artístico, que contribuíram para difundir o nome e a história da Madeira em notáveis exposições nacionais e europeias. Esse especial apreço de D. Teodoro pelo Museu - que condensa parte mui relevante da herança patrimonial artística madeirense enquanto testemunho de cinco séculos de história - teve um último gesto na doação de um acervo notável de ícones russos e bizantinos, hoje patentes ao público com adequada musealização;
- De lembrar, igualmente, a abertura de D. Teodoro ao diálogo ecuménico, com gestos concretos de aproximação às outras igrejas cristãs sediadas na Madeira. Relevante foi o seu trabalho como bispo das Migrações, durante mais de três décadas, bem como uma forte presença e aproximação com visitas regulares às diferentes comunidades madeirenses no mundo, instaurando uma perspetiva pastoral e um sentido de pertença na relação da Diocese com a Diáspora.
Em conclusão: a figura de D. Teodoro de Faria ficará para sempre associada a um conjunto de preocupações e vetores que marcaram o seu episcopado. Dessa memória, facilmente evocamos uma forte preocupação por fundamentar e criar mediações na relação fé-cultura, uma intervenção continuada em favor do património cultural religioso, a sua faceta de peregrino e de profundo conhecedor dos Lugares Santos, numa visão e partilha de conhecimento sempre suportados por uma notável cultura bíblica e humanística. Daí uma capacidade de fazer dialogar a tradição com a mudança, na vida concreta das comunidades, muitas vezes refletindo essa tensão, inerente a uma pastoral viva, nas suas homilias e nos muitos escritos que deixa publicados. A vinda do Papa João Paulo II à Madeira, sem dúvida mercê de uma especial ação e persistência da D. Teodoro, acaba por ficar como uma marca fortemente “icónica” e inesquecível do seu múnus episcopal, pela capacidade festiva então gerada de congregar e recriar – o particular no universal – a própria comunidade enquanto Igreja.