Detenção fora de flagrante delito só poderá ser feita por ordem judicial?
O caso do homem de 35 anos detido pela Polícia de Segurança Pública (PSP) por crime de violência doméstica, em Machico – que gerou uma onda de revolta social, após as imagens da agressão captadas por câmaras de vigilância terem sido amplamente divulgadas nas redes sociais – tem também suscitado dúvidas sobre a possibilidade de detenção fora de flagrante delito.
Tal como foi noticiado, a agressão ocorreu na madrugada de domingo, por volta das 4 horas, mas a detenção só aconteceu dois dias depois, ao final da tarde de terça-feira, dia 26 de Agosto, após um mandado de detenção emitido pelo Ministério Público.
Este compasso de espera foi colocado em causa, nomeadamente por alguns leitores, que deixaram comentários indignados nas redes do DIÁRIO, clamando uma detenção imediata.
Na ocasião, o subintendente Fábio Castro explicou ao DIÁRIO que, apesar da violência doméstica ser um crime público, o facto de não ter havido flagrante delito impossibilitava que a PSP de avançar com a detenção, o que só poderá ser feita por ordem judicial.
“Desde as 9h30 de segunda-feira que o expediente está no DIAP”
Porta-voz da PSP nega ter recebido formalmente qualquer mandado judicial para detenção do suspeito de violência doméstica em Machico
Afinal será ou não possível a detenção preventiva do agressor em casos de crime público?
Em primeiro lugar, importa aqui clarificar que, por crime
público (como o é de violência doméstica) qualquer pessoa, para além
da vítima, pode e deve denunciar esta ocorrência.
A violência doméstica é um crime público, o que significa que o procedimento criminal não está dependente da apresentação de uma queixa, formal ou informal, por parte da vítima, sendo apenas necessário haver uma denúncia ou o conhecimento do crime, para que o Ministério Público promova o processo. Fonte: https://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx
A quem deve recorrer em caso de agressão?
- Esquadra da Polícia de Segurança Pública (PSP);
- Posto da Guarda Nacional Republicana (GNR);
- Piquete da Polícia Judiciária (PJ);
- Serviços do Ministério Público;
- Pode ainda fazer uma queixa electrónica através do sítio do Ministério da Administração Interna
Posto isto, a Comissão de Proteção às Vítimas de Crime esclarece que, nos termos do art.º 30º da Lei n.º 112/2009, “o Ministério Público e em determinadas circunstâncias os órgãos de polícia criminal [nos quais se inclui a PSP], podem ordenar a detenção do agressor fora de flagrante delito, através da emissão de mandados de detenção, se houver perigo de continuação da actividade criminosa ou se a detenção se mostrar imprescindível para a protecção da vítima, para apresentação a um Juiz de Instrução Criminal para aplicação de medidas de coação”.
A detenção é, por seu turno, uma medida cautelar ou de polícia, “não necessariamente dependente de mandado judicial”, aponta o parecer da Procuradoria-Geral da República de 31 de Agosto de 2018.
A lei (designadamente os artigos 255º e 257º do Código de Processo Penal) distingue igualmente, não só para efeitos dos pressupostos objectivos da detenção, como também da competência para a ordenar, entre a situação de flagrante delito e de não flagrante delito
Desta feita, a regra relativa à detenção fora da situação de flagrante delito é no sentido de que só as autoridades judiciárias – o juiz ou o Ministério Público –, a podem ordenar, conforme indicou o subintendente Fábio Castro.
Todavia existem excepções, nomeadamente em caso de risco para a vítima, conforme já foi referido.
“A detenção fora da situação de flagrante delito não é, tal como ocorre, por igualdade de razão, com a prisão preventiva, obrigatória; trata-se, com efeito, para o juiz, Ministério Público ou para qualquer autoridade de polícia criminal, de uma faculdade”, expressam os artigos 202º e 209º do Código de Processo Penal (CPP).
Já os artigos 1.º, n.º 1, alínea d), e 257.º, n.º 2, do CPP) evidenciam que “as autoridades de polícia criminal - os directores, oficiais, inspectores e subinspectores de polícia e todos os funcionários policiais a quem as leis respectivas qualifiquem como tal –, também dispõem do embora em termos mais restritos do que as autoridades judiciárias, de competência legal para ordenar a detenção de pessoas fora da situação de flagrante delito”, recomendando-se perante a situação alternativa de emitir ou não ordem de detenção de uma pessoa, ponderem “se se trata ou não de um quadro fáctico que envolva a admissibilidade da prisão preventiva, o fundado receio de fuga da pessoa em causa, a urgência ou o perigo na demora que se não compadeça com a chamada à intervenção da autoridade judiciária, naturalmente vocacionada à produção de decisão de tal gravidade”.