Tem o Bloco II do Canto do Muro III mesmo de ser demolido?
Foi na sequência da depressão Óscar que passou pela Madeira nos dias 5 e 6 de Junho de 2023 que foi evacuado o Bloco II do Complexo Habitacional do Canto do Muro III, na freguesia de Santa Maria Maior, uma vistoria técnica realizada pela Câmara Municipal do Funchal (CMF) e pelo Laboratório Regional de Engenharia Civil (LREC) concluiu que o edifício não possuía condições de habitabilidade, dados os problemas na estabilidade estrutural da infra-estrutura. Passados dois anos, veio no passado dia 16 a presidente da Câmara revelar que o futuro deste prédio inaugurado em Fevereiro de 2003 passará pela demolição. “Os estudos que temos indicam que é um edifício todo, tem de ser demolido e tem de ser construído de raiz”. Neste fact-check tentámos apurar: Tem o Bloco II do Complexo Habitacional do Canto do Muro III mesmo de ser demolido e construído de raiz?
O Complexo Canto do Muro III é formado por 48 fogos. Inclui apartamentos T2 e T3 em regime de arrendamento social, espaços comerciais e armazéns. Foi construído por um promotor privado com apoios do Instituto Nacional da Habitação, tendo custado na altura 3.604.922 euros e estado envolvido em polémica.
Em Novembro de 2001 era notícia que se cumprisse os critérios de qualidade exigidos, ia ser adquirido pela CMF. Ricardo Silva, na altura vereador das Obras, não dava certezas: “Depois da obra concluída, temos de ver se os apartamentos têm a qualidade exigida e preenchem os requisitos técnicos da habitação social”. No próprio dia da inauguração houve referência aos problemas relacionados com a obra, que segundo o DIÁRIO terão ido para além da proximidade ao ribeiro: “De acordo com o que foi publicado pelo DIÁRIO no ano passado, o caso teve outros contornos, desde alteração do projecto, até à construção ilegal, por parte do empreiteiro, e mais tarde demolida, no terreno onde está assente um dos pilares da via rápida”, lê-se na edição de 4 de Fevereiro de 2003 deste matutino. Nessa peça é garantido pela CMF que o projecto inaugurado foi o projecto aprovado, e que o MUnicípio teria recebido da Secretaria Regional do Equipamento e Transportes um esclarecimento de que as questões pendentes estavam resolvidas. O jornalista lembrava no entanto que a Direcção Regional de Estradas esteve desde o início contra a obra no terreno.
Mais tarde, a 16 de Agosto de 2004, um ano e meio após a inauguração, o prédio ainda não tinha propriedade horizontal constituída, mesmo com as pessoas já lá alojadas e o Município a pagar uma renda técnica ao promotor. “Recorde-se que em torno desta obra gerou-se uma grande polémica devido à ocupação indevida, por parte do construtor, de terrenos expropriados para construção do viaduto do Canto do Muro/ Cota 200 e alterações ao projecto aprovado”, relembrava a nova notícia.
Em Fevereiro de 2008, praticamente passados cinco anos sobre a inauguração, o Canto do Muro III voltava às páginas do DIÁRIO. Uma moradora queixava-se da construção, apoiada por outras duas que confirmavam: “Qualquer dia vem tudo abaixo e o bairro só tem cinco anos”, criticava a interlocutora, referindo na peça fissuras nas paredes e nos alicerces que suportam o edifício e infiltrações no interior das habitações com o consequente bolor, situações ao longo dos anos referidas. Até Junho de 2023.
Veio a tempestade Óscar e com os seus estragos e efeitos a certeza de que nas condições em que estava o Bloco II, as pessoas não podiam continuar a lá viver. A 8 de Junho 2023, um dos moradores que chegavam ao RG3 para o realojamento de emergência declarava ao DIÁRIO que o edifício “nunca teve segurança”, e lembrava que há quatro anos estava prevista uma intervenção no prédio, que nunca aconteceu. “Em 2019 alertaram que nós tínhamos de sair de lá, mas depois veio a pandemia e parou tudo... agora a situação piorou”, dizia.
A tempestade Óscar colocou ‘a mão na ferida’ e houve necessidade de averiguar as condições do prédio. Pimenta de França confirmou que na altura foi pedido por parte da CMF um parecer ao LREC sobre o estado da estrutura do prédio. O presidente do LREC e engenheiro civil acompanhou a visita técnica. “Havia problemas em dois ou três pilares, na cave”, recorda, acrescentando que na altura a cave estava ocupada. “Era um armazém de alguma coisa, não me lembro, lembro-me de umas serralharias para lá, uns perfis metálicos”, acrescentou.
“Os pilares estavam esmagados, mas eram recuperáveis. O prédio era recuperável, fizemos uma proposta nesse sentido, tenho quase a certeza disso”.
Dando a sua opinião pessoal e de entendido na matéria, diz que o prédio “não tem qualidade” e que os problemas não se limitam à estrutura, que há mais um conjunto de coisas. “É de má qualidade. Hoje em dia ninguém faz um prédio daqueles. Não tem qualquer reserva em termos de matéria acústica, nem em termos de ruídos, por exemplo, em termos de insolação, em termos de insonorização… nada, zero. Eram feitos assim naquela época. Hoje já não se faz nada disso, isso já não existe”, afirmou. “Se querem demolir para fazer uma coisa melhor, acho muito bem. Agora demolir porque aquilo tem que ir abaixo, já não. Porque ele é recuperável”, esclareceu, acrescentando que a recuperação da estrutura “é muito mais barata do que uma estrutura nova”.
Pimenta de França admite no entanto que o custo da recuperação do que está para além da estrutura possa ser muito alto. “Porque há mais problemas, problemas que não têm a ver com a estrutura, têm a ver com alvenarias, têm a ver com impermeabilizações, tem a ver com caixilharias, tem a ver com uma série de coisas. Mas não é da estrutura. O que nós fomos lá ver é um problema de estrutura e por causa da estrutura não tem de ser demolido, é o que eu posso dizer. Pode ser recuperado.”
Face a esta posição do especialista, consideramos falso que o Bloco II do Complexo Habitacional do Canto do Muro III tenha mesmo de ser demolido e construído de raiz.