Nem tudo o que reluz é ouro
Caminhando a passos largos para o final de mais um ano e no limiar de outro, ainda que embrenhados no torvelinho de emoções características da quadra natalícia, surge sempre alguma memória mais ou menos recente, ou algum facto relevante que nos remete, inevitavelmente, para uma introspecção ou retrospectiva da nossa caminhada, em termos pessoais ,ou enquanto testemunhas da vida em comunidade, a que não somos alheios. No que me diz respeito, creio que faço apenas o que devo, da melhor forma que posso, sem falsa modéstia nem presunção. É pouco? Que seja. Mas “quem dá o que pode, a mais não é obrigado”. Fico tão espantada do quanto o ser humano é capaz que aprendi a ser eu mesma. Pertenço a uma geração que já viveu em dois séculos e dois milénios diferentes, uma geração que viveu mais do que qualquer outra em todas as dimensões da vida. Foi a minha geração que se adaptou, literalmente, à mudança, no sentido lato do termo. Vivi a infância e a adolescência na era analógica e vivo a idade adulta na era digital. Passei muitas dificuldades e privações mas, de certa forma, fui privilegiada por ter crescido acompanhando o progresso e a evolução tecnológica que nos trouxe até aqui. A minha geração soube respeitar os mais velhos, os pais e os professores, e foi respeitada. Aprendeu o que era a educação, a tolerância, a simplicidade e a solidariedade. Acho que fomos uma geração de edição limitada e cada vez somos menos. Fui envelhecendo. Envelhecer é a fase da razão, de poder ser quem sou,de agradecer pelo dom da vida e ser alguém que resiste ao passar do tempo sem perder a dignidade. Hoje vivo o agora, com gratidão e coragem. E não fico indiferente ao que requer ou capta a minha atenção .
Neste contexto, no que me foi dado observar na localidade/comunidade onde nasci, cresci e vivi sempre, vi o tempo passar e quase nada mudar. Ou melhor, mudou. O meu Porto Santo está mais escuro, mais desnudado, órfão da beleza que o caracterizava. Somos Reserva da Biosfera da Unesco, temos uma praia de dunas galardoada como a melhor da Europa ,o que nos orgulha mas...Temos tão pouco. Falta-nos tanto.
Teimosamente, a dupla insularidade que nos castiga a diversos níveis continua a isolar-nos do mundo exterior ainda durante muitos meses cada ano...Dias como o de hoje, sem ligação aérea ou marítima repetem-se sistematicamente com condições meteorológicas adversas. Em Janeiro/ Fevereiro, ano após ano, repete-se a “saga” crónica da interrupção da ligação marítima inter-ihas. Como tudo continua inalterável presumo que já nos venceram pelo cansaço. Estabelecimentos comerciais de cariz público, fornecedores de bens de consumo essenciais no nosso quotidiano foram desactivados indefinidamente, após muitas décadas de laboração. São pormenores? Talvez, mas é nos pormenores que se notam as contradições. Ninguém, no pleno uso da razão, terá a pretensão de esperar uma qualidade de vida de expoente máximo num ilha pobre de recursos naturais. Da mesma forma que é impensável agradar a todos, é expectável que se atribua equitativamente os recursos públicos (que são de todos) de que se dispõe. Afirmar que o Porto Santo está em franco desenvolvimento, para além de ser excessivo, não é verdade irrefutável, quando não se operaram mudanças significativas nas traves mestras da sua sustentabilidade: saúde, habitação e mobilidade. Os doentes emergentes, e não só, continuam a ser transferidos para a Madeira quase todos os dias, com a colaboração da FAP, sediada no Porto Santo.
A crise na habitação é grave. Quanto à situação relativa à mobilidade aérea, para o exterior ou inter-ilhas permanece na linha de partida. Se isto é desenvolvimento, eu chamo-lhe retrocesso e estagnação na melhor das hipóteses.
Perder o que temos não é avançar. É retroceder. “Nem tudo o que reluz é ouro”.
É minha convicção que, enquanto os ventos das diretrizes de orientação soprarem de fora para dentro, o Porto Santo continuará como o parente pobre de estimação e nunca será o que os porto-santenses quiserem. Que eu esteja enganada.
Que 2026 seja pródigo em mudança positiva para todos, a título pessoal e como parte da entidade colectiva.
P.S. Este texto foi escrito sem recurso à IA. É o meu ponto de vista e só a mim vincula.
Madalena Castro