As burcas do politicamente correcto…
Nestas últimas semanas aconteceram alguns acontecimentos que não aparentando ter nada em comum em teoria, têm-no na prática.
Um grupo de barcos (ia dizer iates, mas julgo que barcos fica melhor se atendermos aos tripulantes e aos propósitos da viagem) carregados de ilusões sempre fáceis de ter quando está em causa o mal dos outros que não nos atinge de uma forma directa nem temos de viver, ou sobreviver, com uma realidade que não nos afecta, foi em peregrinação, qual cruzada dos tempos modernos em direcção à Terra Santa, que é como quem diz, Israel para uns e Palestina para outros, não para propagar a Fé Cristã como faziam os Cruzados de antanho que o faziam de uma forma muito pouco cristã com enorme violência e atropelos de variadíssima índole aos direitos dos habitantes originais daquela zona do globo onde algumas centenas de anos antes havia nascido o Messias que ensinou o Amor entre as pessoas e entre os povos, ensinamentos que foram sendo desvirtuados após o seu desaparecimento físico (morreu pregado numa cruz após sofrimento atroz infligido exactamente pelos mesmos que agora infligem sofrimento atroz por via do terror a quantos se opõem às suas diatribes, lembram-se?), e que levaram a que uns outros quantos de “puristas” se dirigissem para a mesma zona onde os actuais navegantes se queriam dirigir para propagar outras ideias, que não outros costumes, com a mesma soberba com que os de há mais de 10 séculos o faziam em nome de um Deus que queria tudo menos guerra.
Dito isto, voltemos à nossa realidade.
O que é que tem isto a ver com burcas?
Já lá vamos: uma burca é, como é sabido pela sabedoria dos sábios sabedores especialistas em diversos que pululam nos corredores dos poderes instalados nas cabeças que, das esquerdas às direitas do conhecimento, também político, tudo sabem e tudo adaptam às narrativas das realidades que pretendem construir ou desconstruir, como se diz às vezes, a sociedade que julgam ser a que melhor se adapta aos tempos que se vão vivendo, uma burca é, como dizia, uma peça de roupa que em algumas sociedades é utilizada para que ninguém descubra o que se esconde debaixo daquele esconderijo que impossibilita a visão, não só de fora para dentro mas também de dentro para fora. Essa peça de roupa integra uma outra que cobre não só a consciência, mas também o corpo de quem a usa!
As burcas são uma peça de vestuário feminino que cobre todo o corpo e têm, obrigatoriamente uma pequena rede ou tela na altura dos olhos para que se possa ver o mundo aos quadradinhos finos.
Há outro tipo de vestimenta muito semelhante, que também cobre todo o corpo mas que deixa a face visível. É o chador no qual todo o corpo deve estar coberto, com excepção do rosto, como já disse.
E depois há outros trajes mais ligeiros que são aceites, mas sempre com a cabeça tapada com um véu. Lembro que até ao fim dos anos 60 do Séc. XX, as mulheres católicas tinham de usar véu para entrarem numa igreja para assistirem à missa.
Enfim, são tradições que se vão mudando e dissipando com o vento da evolução dos costumes a soprar para que haja liberdade de usar ou não qualquer adereço que as várias confissões, religiosas ou não, achem que devem ser usadas pelos seus seguidores mais firmes nas convicções que essas confissões vão impondo de acordo com os costumes que se vão desenvolvendo nas sociedades.
Tem sido assim ao longo dos séculos, e nós não somos nem melhores nem piores do que todos os que nos antecederam - somos só diferentes, nada mais!
Se estou de acordo que esta tradição é correcta e deve ser posta em prática? Não, mil vezes não!
Se devemos usar os meios que dispomos para a modificar? Sim, mil vezes sim!
O pior que pode acontecer quando se pretende modificar um uso ou costume é quando a hipocrisia grassa como graxa correndo nas correntes de uma bicicleta, deixando tudo sujo quando as tocamos e escorregadias de tal forma que ninguém as consegue controlar.
E é isso que se está passando neste cantinho à beira mar plantado, que é um cantinho de aparentes bons costumes, plácido e brando q.b., mas que se está transformando como se tivesse sido untado com a graxa de uma corrente de bicicleta!
Querem proibir a burca!
E vêm os extremos dizer com ares mais ou menos de forte convicção que a burca é o que de pior existe para a sobrevivência do país, que são e sempre foram contra a burca, que desde crianças já gatinhavam contra o uso de tal disparate pelas meninas de países distantes que eles nem sabiam existir.
O Ventura diz que é contra a burca desde que nasceu e vem o Tavares dizer que também é contra a burca desde que se conhece, e conhece-se desde que nasceu! Os outros idiotas do espectro político dizem que são contra a burca porque é politicamente correcto assumir esse estado de alma, não por quererem de facto mudar seja o que seja. Fazem-no, como quase sempre o fazem, para deitar cá para fora mais um pouco do veneno que como cobras vão instilando nos pobres mortais que se vão pondo a jeito de irem sendo mordidos sem se dar conta disso, guardando o veneno mordida a mordida até à exaustão do organismo! E os outros todos vão concordando envergonhadamente, só porque é politicamente correcto dizerem-se contra. Uns votam a favor e outros votam contra, e isto daria pano para uma mangas muito compridas, mas não é esse o ponto agora.
Agora o que pergunto é se só querem abolir o uso da burca?
E todos os outros símbolos da submissão feminina, todos os outros trajes que as mulheres de países com tradição islâmica são obrigadas a usar, tal como o chador e outros semelhantes, uns mais pesados, outros mais ligeiros, mas todos com o mesmo significado – a submissão e menorização do papel da mulher na sociedade em que se inserem? Vão ser proibidos também, ou vão continuar a ser usados?
Vão deixar que se continue a envergonhar a condição feminina, que não é só de quem usa tais trajes, mas também de quem força o uso e de quem deixa que esse uso seja uma realidade que, essa sim, deve ser rapidamente transformada?
Estes acontecimentos das últimas semanas cruzam-se nos argumentos: os dos barcos queriam ir em cruzada até a terra da peregrinação para, segundo disseram, ajudar o sofrimento de um povo que sofre a guerra, mas cuja tradição exige que as mulheres se cubram com os trajes que por cá juram ser contra, os das burcas querem acabar com tradições seculares que devem ser alteradas pela educação e nunca pela força, só porque estimulam a estupidez do “politicamente correcto” apanágio dos extremos com a complacência dos que se dizem não se reverem nesses extremos. O politicamente correcto da nossa actualidade é muito mais limitador para a sociedade porque nada muda, nada transforma, apenas instila o veneno da aceitação da hipocrisia vigente nos actores políticos de todos os quadrantes, sejam extremos ou sejam centrais!