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Fact Check Madeira

Regras de admissão de diplomas são iguais em todos os parlamentos?

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A recusa de admissão de um projecto de resolução do Juntos Pelo Povo, pela presidente da Assembleia Legislativa da Madeira, deverá motivar muita polémica nos próximos tempos.

Rubina Leal, depois de pedir um parecer jurídico aos Serviços de Apoio Parlamentar e à Comissão de Regimento e Mandatos, decidiu recusar a admissão de um diploma que recomendava, ao Governo da República, a criação de um Fundo de Garantia para pagar assegurar o pagamento directo do diferencial das passagens aéreas abrangidas pelo Subsídio Social de Mobilidade.

A decisão teve por base a impossibilidade, constitucional e regimental de apresentar duas propostas sobre o mesmo assunto na mesma sessão legislativa.

Rubina Leal lembrava que o novo projecto de resolução tinha dado entrada na Assembleia Legislativa quatro dias depois da rejeição, no plenário, de outra proposta, também do JPP, que recomendava ao Governo da República a alteração do modelo do Subsídio de Mobilidade para que o Estado pagasse directamente às transportadoras o excedente do preço dos bilhetes.

A dúvida que se coloca é saber se estas regras de admissibilidade são comuns a todos os parlamentos.

Para confirmar a unanimidade entre os parlamentos regionais – Madeira e Açores – e a Assembleia da República, basta ler as disposições dos três regimentos que são praticamente as mesmas.

No Regimento da Assembleia da República e nos regimentos dos parlamentos da Madeira e dos Açores, compete ao presidente “admitir ou rejeitar os projetos e as propostas de lei ou de resolução, os projetos de deliberação e os requerimentos, verificada a sua regularidade regimental, sem prejuízo do direito de recurso para a Assembleia”.

Por outro lado, nos três documentos, nos capítulos referentes ao ‘Processo Legislativo’, são definidos os ‘limites de iniciativa’ e a redacção é comum: “Os projetos e as propostas de lei definitivamente rejeitados não podem ser renovados na mesma sessão legislativa”.

Ou seja, nas três assembleias, não é possível admitir iniciativas legislativas que tenham conteúdos semelhantes aos de outras que já foram rejeitadas. Foi este o argumento de Rubina Leal para recusar a admissão da proposta do JPP.

Se não bastassem os regimentos dos parlamentos, a Constituição da República Portuguesa determina, nos eu artigo 167.º que “Os projetos e as propostas de lei definitivamente rejeitados não podem ser renovados na mesma sessão legislativa, salvo nova eleição da Assembleia da República”. Uma disposição constitucional que tem transposição directa para as assembleias das Regiões Autónomas.

A dúvida que ainda pode subsistir diz respeito à redacção dos artigos. Em todos os regimentos, a referência para o limite de iniciativa é “projectos e propostas” de decreto legislativo ou lei.

Poderíamos concluir que os regimentos são omissos em relação aos projectos de resolução, como refere o Juntos Pelo Povo num parecer que apresenta sobre esta matéria.

No caso do Regimento da Assembleia Legislativa da Madeira esta questão pode estar esclarecida no artigo 168.º, sobre ‘resoluções’ que apenas diz que “o processo legislativo comum, aplica-se aos diplomas que sejam propostos com a forma de resolução”.

E é aqui que deverá estar todo o debate sobre esta questão. O JPP entende que os projectos de resolução não estão contemplados nos limites de iniciativa e a presidência da Assembleia deverá ter um entendimento oposto.

No TítuloIV do Regimento da ALRAM, sobre ‘Formas de Processo’, o Capitulo I define o ‘Processo Legislativo’ e a Secção I regulamento ‘Processo Legislativo Comum’, para o qual são remetidos os projectos de resolução.

É precisamente nesta secção do Regimento que está o Artigo 132.º sobre Limites de iniciativa que determina que “Os projetos e as propostas de decreto legislativo regional definitivamente rejeitados não podem ser renovados na mesma sessão legislativa”.

É nesta interpretação jurídica que se baseia o argumento de rejeição da admissibilidade da proposta do JPP.

Outra questão é mostrar que os dois projectos de resolução versam sobre a mesma matéria, o que o JPP também contesta.

Posição do JPP

Rafael Nunes, deputado do JPP que integra a Comissão de Regimento e Mandatos apresentou uma argumentação jurídica que procura contrariar a posição da Presidência da ALRAM:

“Tendo presente o despacho de sua Excelência, a Senhora Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, que suscitou dúvida quanto à admissibilidade do projeto de resolução (entrada n.º 553/2025), importa clarificar que a regra que veda a “renovação de iniciativa na mesma sessão legislativa” constante do Regimento não se aplica, em regra, aos Projetos de Resolução, mas sim, de forma expressa, aos Projetos e Propostas de Decreto Legislativo Regional. Com efeito, o artigo 132.º, n.º 2 do Regimento sob a epigrafe “Limites especiais da iniciativa” estabelece de forma expressa a não admissibilidade de Projetos e Propostas de Decreto Legislativo Regional definitivamente rejeitados na mesma sessão, não sendo referido de forma alguma que tal norma se aplica as Resoluções. Sendo esta uma norma restritiva de poderes de iniciativa, deve ter interpretação estrita.

Por seu turno, o artigo 168.º do Regimento sob a epigrafe “Resoluções” limita-se a determinar que ao diploma com forma de Resolução se aplica o processo legislativo comum, não transpondo, por essa via, limites materiais que o Regimento reservou expressamente ao decreto legislativo regional.

A jurisprudência constitucional recente reconhece, aliás, a tipologia própria da “Resolução” no âmbito da ALRAM, sublinhando que, fora dos atos elencados no artigo 41.º do Estatuto Político-Administrativo da Região, as resoluções enquadram-se no domínio previsto nos artigos 36.º, 37.º e 38.º do mesmo Estatuto, sendo o seu regime processual remetido pelo artigo 168.º do Regimento. Tal enquadramento confirma que restrições a direitos de iniciativa só operam quando o Regimento as prevê de forma expressa para essa forma de ato.

Acresce que, mesmo que se admitisse, por hipótese, a aplicação analógica daquela norma às Resoluções, não se verifica identidade material ou substancial entre a iniciativa rejeitada em 16-10-2025 e o projeto ora apresentado: a primeira recomendava a alteração do modelo do SSM para que os residentes pagassem apenas o valor final do bilhete nas ligações aéreas e marítimas, eliminando o adiantamento; a segunda recomenda a criação de um Fundo de Garantia destinado a assegurar o pagamento direto do diferencial nas passagens aéreas abrangidas pelo SSM, isto é, propõe um mecanismo financeiro de execução dentro do modelo vigente e com âmbito setorial mais restrito. Divergem, portanto, o objeto (reconfiguração de modelo vs. garantia financeira operacional), o instrumento (alteração de regime vs. criação de fundo) e os efeitos práticos (regulação estrutural ampla vs. solução de tesouraria e liquidação), o que afasta a qualificação de “renovação” fundada em identidade de substância. Neste quadro, e em respeito pelo princípio democrático e pela autonomia de organização do parlamento regional — em que a restrição de poderes dos deputados carece de previsão clara e não admite interpretações extensivas ou por analogia.

Conclui-se, face ao exposto, pela admissibilidade do projeto de resolução com entrada n.º 553/2025, devendo o mesmo seguir a tramitação regimental ordinária após o parecer solicitado à Comissão de Regimento e Mandatos, cuja competência para interpretar e integrar o Regimento é, de resto, expressamente reconhecida no artigo 40.º.”

Os parlamentos regionais e a Assembleia da República têm as mesmas regras no que diz respeito à impossibilidade de repetir iniciativas numa mesma sessão legislativa