Fórum debate valor da água e desafios da gestão hídrica na Madeira
O debate final do Fórum ‘O Valor da Água’ reuniu Nuno Maciel, Carlos Martins, João Simão Pires e Amílcar Gonçalves, moderados por Ricardo Miguel Oliveira, director-geral do DIÁRIO. A primeira questão lançada pelo moderador, o paradoxo entre escassez, preços e níveis de consumo, abriu caminho a uma reflexão sobre cultura, política e percepção pública do valor da água.
Questionado sobre “o quê que nos leva a não dar à água o devido valor”, o secretário regional de Agricultura e Pescas, Nuno Maciel, apontou para factores históricos e sociais, afirmando que “está aqui obviamente uma questão de consciencialização social. Há uma questão de uma tradição da nossa terra. E há também algum refúgio político em alguns momentos sabendo que por água se mata e sabendo que de quatro em quatro anos como vimos parece que afinal o preço estabilizava um bocadinho.”
O titular da pasta recordou, ainda, que o DIÁRIO noticiou, a 14 de Outubro, que “a água ficará mais cara no próximo ano”, sublinhando que o debate serve precisamente para reflectir sobre estas decisões.
Carlos Martins, assessor do Conselho de Administração das Águas de Portugal, destacou o papel da gestão e da comunicação com os cidadãos. “Um dos pontos tem a ver com as questões da ‘governança’ e a primeira coisa que temos de passar é a confiança aos cidadãos de que eles estão a pagar um preço que resulta de uma gestão eficiente.” Acrescentou que o sector peca na forma como comunica: “Somos o único sector de actividade que dizemos aos clientes para não consumir. Não conseguimos ter uma estrutura de marketing que passe junto dos cidadãos a ideia merecida.”
João Simão Pires, director executivo da Parceria Portuguesa para as Águas, explicou o paradoxo a partir da forma como as pessoas reagem às mudanças. “Nós como seres humanos reagimos à mudança. Não ao nível absurdo das coisas, mas à sua mudança.” Recordou o caso da Irlanda, onde a introdução abrupta de tarifação provocou rejeição massiva. “Passaram de zero para, de repente, uma factura de 300 libras. Eu acho nos próximos 30 anos é suicídio político da Irlanda voltar a falar disso.” Para Simão Pires, o desafio está na forma como a mudança “é explicada” e não no valor absoluto das tarifas.
Já o presidente da ARM, Amílcar Gonçalves, apontou o dedo aos ciclos políticos e à falta de visibilidade das infra-estruturas enterradas. “As obras associadas ao abastecimento são uma chatice. O mal apresentado é aos bocadinhos, são anos de buracos na estrada, entre outros problemas que persistem. E o bem acontece de repente, como ter uma boa pressão na torneira de casa, no dia a seguir já ninguém se lembra.” Sublinhou, ainda, que “ninguém vai inaugurar um sistema enterrado”, razão pela qual muitas autarquias evitam este tipo de investimento. O resultado, alertou, é um “índice de investimento crítico”, cujo custo “será pago pelas gerações futuras”, tornando indispensável “uma matéria adequada para conseguir recuperação do sistema”.
Na segunda questão do debate, sobre as medidas urgentes necessárias para mudar mentalidades quanto às tarifas e ao valor da água, o secretário regional de Agricultura e Pescas, Nuno Maciel, destacou a importância de aproximar a população da realidade dos custos. Recordou que o fórum permitiu perceber “quanto é que custa levar a água àquelas casas” e assumiu que “pelo menos no próximo ano, a taxa de inflação ia ter de ser reflectida sobre o consumidor final”, defendendo uma actualização mínima equivalente à inflação. Defendeu, ainda, repensar o modelo actual da ARM e preparar a Região para os futuros desafios europeus.
Carlos Martins, focou-se na questão da gestão tarifária e da falta de contabilidade analítica nos municípios. Criticou propostas de tarifação associada aos resíduos. Sublinhou a necessidade de serviços tecnicamente estruturados e alertou que “quem não conhece os custos não pode saber o que é que quer receber por esses custos.” Defendeu que um cliente mal informado ou sujeito a sistemas “que não são amigos do cliente” perde motivação para aderir ou pagar.
Para João Simão Pires, o essencial é garantir estabilidade e coerência nas políticas. Sugeriu que os municípios levem o tema “sempre às assembleias municipais” e mantenham “elementos comuns de consenso” que permitam uma trajectória contínua. Acredita que a evolução tarifária será “inexorável” e comparou práticas internacionais, notando que “com excepção de parcialmente em Espanha, na Polónia esta indexação ao consumo da água é uma particularidade portuguesa.” Apontou para futuros modelos ligados ao consumo na origem, afirmando que “vamos acabar por pagar a nossa tarifação de resíduos à saída do supermercado.”
O presidente da ARM, Amílcar Gonçalves, alertou para o risco de soluções tecnicamente atractivas mas impraticáveis, observando que “muitas vezes quem está nos gabinetes encontra fórmulas que só infernizam o quotidiano.”
Defendeu o modelo regional de gestão, recordando a aposta em infra-estruturas e a opção pela incineração. “Sou um defensor sério da incineração. Numa ilha como a nossa não há outra hipótese.” Para o presidente, é preciso pragmatismo. “Tem que haver algum pragmatismo nas pessoas e pensar no futuro.”
Além dos oradores presentes, houve espaços para intervenções de pessoas que compunham a plateia.
Roland Bachmeier, empresário alemão, criticou a desigualdade na cobrança e no consumo de água entre sectores, apontando que hotéis e supermercados gastam muito mais água e geram mais resíduos, mas nem sempre pagam proporcionalmente. Destacou também situações na agricultura em que consumidores continuam a pagar por água que não utilizam, pedindo maior justiça e eficiência na gestão do recurso.
Beatriz Jardim, presidente do Conselho Directivo da Ordem dos Engenheiros, destacou a necessidade de convergência tarifária, defendendo que consumidores domésticos nas ilhas e no continente deveriam pagar tarifas uniformes, incentivando eficiência. Enfatizou também a importância de modernizar redes de água, de actualizar o valor da água no turismo e de condicionar práticas agrícolas altamente intensivas em consumo hídrico, reforçando a interiorização do valor da água em todos os sectores.
Jorge Pereira, ex-presidente do Instituto da Gestão da Água (IGA), recordou os desafios históricos da Madeira, quando a água era escassa e mal distribuída, e destacou que, sem valorização, ninguém poupava. Ressaltou que a gestão eficaz exige a articulação de todos os atores envolvidos, políticos e técnicos, para garantir manutenção e evolução dos sistemas. Enfatizou que o problema maior é estrutural e financeiro, defendendo a necessidade de colaboração de “homens de boa vontade” para assegurar a sustentabilidade do abastecimento.
O debate terminou com um momento de agradecimento dos oradores a todos os presentes, sublinhando a importância da participação e do diálogo. O secretário regional de Agricultura e Pescas, Nuno Maciel, destacou que tinha vindo, essencialmente, para aprender neste fórum sobre o valor da água, reforçando o carácter educativo e de reflexão do encontro.
A iniciativa, promovida pela Águas e Resíduos da Madeira (ARM) com a colaboração da Secretaria Regional de Agricultura e Pescas e do DIÁRIO de Notícias, decorreu durante a manhã de hoje no Auditório do Museu da Electricidade.