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Fact Check Madeira

Houve “sempre” viagens de barco para o Porto Santo até a um “passado recente”?

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A interrupção das viagens em navio ferry entre a Madeira e o Porto Santo, normalmente, durante o mês de Janeiro, é sempre problemática e leva a manifestações de descontentamento, por parte da população local, por madeirenses que gostariam de ir ao Porto Santo e por alguns responsáveis políticos, dos dois lados da travessa.

Na edição deste domingo do DIÁRIO, consta uma imagem antiga, onde se vê o navio Independência e o comentário: “No passado recente, havia barcos para a ilha do Porto Santo, pois não havia concessões. Dá que pensar.”

Terá razão o leitor no que afirma, que, no fundo, é tradução de um pensamento transversal a vários sectores da sociedade madeirense?

A verificação do conteúdo da afirmação será feita com recurso a notícias publicadas ao longo dos anos pelo DIÁRIO, pelo Jornal da Madeira e pelo Funchal Notícias, mas, acima de tudo, com base na dissertação de mestrado em Logística Marítima, de Carlos Perdigão Santos, apresentada em Setembro de 2024, na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. O tratamento dos dados será realizado com a ajuda de ferramentas digitais.

Antes de tudo, cumpre-nos atentar ao “passado recente”. Em ciências sociais, em história, sociologia, antropologia, ciência política, a expressão “em passado recente” é deliberadamente vaga. Não remete a um número fixo de anos, mas sim a um horizonte temporal relativo ao tema estudado e ao olhar do autor.

Por exemplo, em estudos de longo e muito longo prazo, pode significar décadas, como 20, 30 ou mais anos. Em estudos de fenómenos políticos, pode estar em causa um prazo de 5 ou 10 anos. Mas se estivermos a estudar tendências históricas ou antropológicas, pode estar em causa um prazo de 50 anos ou até de um século.

No caso das viagens entre a Madeira e o Porto Santo, algo que ocorreu até há quase 30 anos, é inadequado usar a expressão até recentemente. Isso seria para uma afirmação produzida até sensivelmente aos anos 2000.

Do levantamento que fizemos e da linha cronológica estabelecida (ver quadro), em síntese, podemos afirmar que antes da concessão à PSL havia ligações em Janeiro – menos frequentes e muito vulneráveis ao estado do mar, mas não existia uma paragem ‘obrigatória’ em Janeiro como regra fixa. Era comum haver viagens no Inverno, incluindo em Janeiro, embora com cancelamentos, devido ao estado do mar e a avarias, e manutenções pontuais.

Depois da concessão (1995/1996), com o ‘Lobo Marinho’, consolidou-se a prática de paragem anual prolongada em Janeiro para manutenção/docagem, deixando as ilhas sem ferry por sensivelmente 4 a 6 semanas, ano após ano (com mitigação por via aérea e reforço das viagens em cargueiro). A PSL argumenta que não encontra no mercado internacional um navio alternativo para operar durante a paragem do Lobo Marinho.

Assim, chamar “passado recente”, hoje ou em qualquer momento depois de cerca de 10 anos, induz em erro, porque transmite a ideia de que as viagens terminaram há pouco tempo, quando na realidade acabaram há quase três décadas. Por isso, avaliamos a afirmação do leitor como imprecisa porque a base factual existe (as viagens em Janeiro acabaram em 1996), mas a expressão temporal “passado recente” não corresponde ao sentido comum de “recente” em 2025.

“No passado recente, havia sempre barcos para a ilha do Porto Santo, pois não havia concessões. Dá que pensar” – D. Reis