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Fact Check Madeira

Juntas podem tomar posse antes das Câmaras?

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Por estes dias a dúvida paira entre os eleitores madeirenses. As eleições autárquicas terminaram e começaram as cerimónias de tomada de posse nas freguesias e, antes mesmo de o presidente da Câmara subir ao palanque, já os presidentes de Junta estão em funções. Muitos estranham esta inversão aparente de hierarquias e perguntam-se como é possível que o poder mais pequeno se instale antes do maior. É essa dúvida que iremos dar resposta. João José questionou esta singularidade: “É possível as Juntas tomarem posse antes das Câmaras?”.

A Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, que define o regime jurídico do funcionamento dos órgãos das autarquias locais, fixa os mesmos prazos para todos os órgãos eleitos: tanto as Assembleias e Juntas de Freguesia como as Câmaras e Assembleias Municipais devem ser instaladas até 20 dias após a realização das eleições. O que não determina é a ordem exacta das cerimónias. É aqui que entra a lógica do próprio sistema autárquico, que explica por que razão as freguesias costumam tomar posse primeiro.

De acordo com o artigo 5.º da mesma lei, a Assembleia Municipal é composta pelos cidadãos eleitos directamente para esse órgão e pelos presidentes das Juntas de Freguesia, que são membros por inerência. Para que a Assembleia Municipal se possa reunir e tomar posse, é necessário que esses presidentes de Junta já estejam em funções, pois só assim podem integrar legalmente o órgão municipal. Em termos simples, a Assembleia Municipal só pode ser instalada depois das Juntas de Freguesia o terem sido.

Este mecanismo jurídico, que muitos interpretam como uma inversão de poder, é, na verdade, uma questão de coerência institucional. A lei impõe o mesmo prazo de 20 dias, mas confere autonomia a cada autarquia para definir as datas de instalação dentro desse limite. Assim, nada impede que uma Junta de Freguesia tome posse no 10 dia e a Câmara Municipal no 19.º, desde que ambas o façam dentro do prazo legal.

Nos últimos anos, os madeirenses têm assistido a esse ritual com frequência: as freguesias instalam-se primeiro, num ambiente mais próximo, e só depois se seguem as grandes cerimónias municipais, com mais aparato e representatividade política. Em concelhos como Funchal, Câmara de Lobos ou Calheta, não é raro ver o presidente da Junta já em funções antes de o presidente da Câmara o estar. Muitos eleitores estranham, alguns questionam se é legal, mas a verdade é que essa é precisamente a sequência correcta e prevista na legislação.

Esta ordem natural tem também um valor simbólico. O poder local começa nas freguesias, na proximidade com as pessoas, nas decisões que tocam directamente o quotidiano das localidades. As Juntas são o primeiro elo da cadeia democrática e o ponto de partida para o funcionamento de todo o sistema autárquico. Por isso, é lógico que as suas tomadas de posse antecedam as das Câmaras. Quando os presidentes de Junta sobem ao estrado para jurar cumprir a Constituição e servir as suas populações, abrem, de certa forma, o ciclo autárquico que culminará com a instalação dos órgãos municipais.

A lei não exige uma ordem hierárquica, mas o bom senso jurídico recomenda que as freguesias avancem primeiro. Só assim se garante que a assembleia municipal, onde se cruzam os representantes do concelho e das freguesias, possa funcionar plenamente desde o primeiro dia. A instalação das Juntas antes das Câmaras não é, portanto, uma anomalia, mas uma necessidade de funcionamento democrático.

Em resumo, tanto as Juntas de Freguesia como as Câmaras Municipais têm o mesmo prazo legal de 20 dias após as eleições para tomarem posse. A diferença está no encadeamento lógico: primeiro, as freguesias, para que os seus presidentes possam integrar as assembleias municipais; depois, os municípios, que reúnem e dão início formal ao novo ciclo de governação local.

O que para muitos eleitores madeirenses parece uma curiosidade ou até uma contradição é, afinal, o reflexo de uma engrenagem institucional pensada para garantir legitimidade e continuidade. As Juntas não estão a correr à frente das Câmaras. Estão apenas a cumprir, passo a passo, o que a lei determina para que o poder local funcione com equilíbrio e sentido democrático.

Juntas podem tomar posse antes das Câmaras?