O drama oculto dos objectos da cozinha

No universo doméstico, onde as tarefas do dia-a-dia ganham vida própria, as relações entre os utensílios são mais complexas e cómicas do que se pode imaginar. Por exemplo, a Vassoura e o Esfregão formam um casal tradicional, e juntos têm uma filha chamada Pá e um filho que prefere ficar no seu canto, o Esfregão de Pia. Entretanto, o Mopa e o Pano de Esfregão vivem uma rixa mortal, constantemente a discutir quem limpa melhor. O Espanador, o filho problemático da Vassoura, é pouco lembrado, mas quem o conhece bem sabe que ele tem uma queda por pó, um segredo que a mãe prefere manter em silêncio.

Na gaveta dos talheres, a dinâmica é igualmente intrigante. O Garfo e a Faca são casados e têm uma filha, a Colher, que, por sua vez, tem filhos independentes: as Colheres de Chá, de Sopa e de Sobremesa, cada uma com o seu próprio tamanho e propósito. A Enxada é a filha ilegítima da Pá com a Picareta, um assunto sensível que ninguém menciona. Dizem que o Ancinho e a Pá estavam zangados porque, tempos atrás, a Pá teve uma “escorregadela”.

No mundo das roupas íntimas, a Cueca e as Calças formam um casal, mas as Calças têm uma zanga inexplicável com o Soutien. As Calças têm irmãs bastante distintas: as Calças Fio Dental, que são a alma das festas, e as Calças de Renda, reservadas para ocasiões especiais.

Os calçados também têm as suas peculiaridades. A Sabrina, que andava meio apagada, está a namorar o Sapaténis. O Sapato Social tem uma desavença com a Sandália de Festa, enquanto o Tamancão e o Ténis têm um romance que ninguém entende, já que ambos parecem masculinos. Por outro lado, o Sapato de Salto Alto tem um caso secreto com a Sandália Rasa, uma situação que desafia a lógica.

Na cozinha, o casamento do Feijão com o Arroz é um pouco peculiar. Apesar de ambos serem masculinos, eles não se separam e formam um par perfeito, embora o Arroz sempre acabe por ficar por baixo.

Finalmente, os Molas de roupa vivem um drama à parte. Para quem os usa, cada par é como um casal. Quando, por acidente, uma mola é trocada, é como se ocorresse um divórcio, gerando uma crise nas cordas de toda a casa. Enquanto estendo as roupas, fico a imaginar as conversas sobre relacionamento que devem acontecer ali.

E assim, no universo dos objetos domésticos, a vida é um eterno teatro, onde cada utensílio tem o seu papel e as suas complicações, tornando o nosso dia-a-dia numa verdadeira comédia de costumes.

(baseado numa sátira sobre talheres)

Gregório José