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Liberdade, Autonomia, Democracia

A Madeira vive por estes dias a mais grave crise política e institucional da sua História democrática, provocada pelo maior caso judicial de que há memória na Região e que abalou irremediavelmente os alicerces do regime. As investigações que levaram às demissões, a seu pedido, de Miguel Albuquerque, Presidente do Governo Regional, e de Pedro Calado, Presidente da Câmara do Funchal, fragilizaram como nunca o poder quase hegemónico que o PSD exerce na Região desde 1976. É perante as suspeitas que recaem sobre os principais protagonistas políticos da Madeira e as consequências que já tiveram, que a sociedade madeirense tem o dever de reorganizar-se, destrinçando os planos judicial, institucional e político da situação que enfrenta e colocando como objectivo primeiro e último a salvaguarda da Liberdade, da Autonomia e da Democracia.

A salvaguarda da Liberdade - que implica que, no plano judicial, se permita que a Justiça faça caminho, no seu tempo, sem perturbações, sem insinuações, sem a promoção de suspeições por inerência que minam decisivamente a confiança dos cidadãos nos protagonistas políticos, como se todos fossem iguais, suspeitos por mera convivência. Só o funcionamento deficiente das instituições da Justiça e do processo penal, amplamente reconhecido por diferentes sectores, permite que continuemos a assistir, com aparente mas doentia normalidade, à forma como, diariamente, surgem na praça pública novos elementos, processuais e noticiosos, que confundem mais do que esclarecem. É, por isso, fundamental que a Justiça seja capaz de clarificar rapidamente que suspeitas recaem sobre quem, de que estatuto - suspeitos, arguidos, acusados - gozam os envolvidos e que grau de dano à causa pública poderão ter provocado, quando, como e onde. Apenas o esclarecimento cabal dos vários processos que aparentam existir permitirá que a sociedade seja capaz de iniciar um novo ciclo nas instituições em que tem o direito a confiar e o dever de preservar. A Liberdade colectiva de confiar nas instituições; a Liberdade individual de viver sem suspeitas pendentes, não concretizadas, nunca clarificadas. A Liberdade individual de ser detido, interrogado, julgado e libertado no tempo devido.

A salvaguarda da Autonomia - que exige que nos próximos dias fique o mais claro possível com o que podem contar os madeirenses no plano institucional. Já foi quase tudo dito: sobre as limitações acrescidas dos poderes presidenciais, as provocadas pela infeliz coincidência do tempo e as legalmente determinadas pela feliz natureza do nosso regime parlamentar reforçado, sem que se clarifique se e quando teremos eleições regionais; sobre a actuação intermitente do Representante da República, motivada pelos poderes que lhe são conferidos, a quem pouco mais resta do que procurar encontrar uma solução, mais transitória ou mais definitiva, que garanta a estabilidade mínima necessária para evitar prejuízos maiores à nossa vida colectiva, num cenário de elevada incerteza; sobre a falta de clareza relativa ao futuro do Governo Regional, demissionário agora, em gestão por tempo indeterminado, sucedido rápida ou lentamente; e sobre a dificuldade de intervenção da Assembleia Regional, condicionada pelas decisões que a ultrapassam. O futuro exigirá que se reflicta, amplamente e de uma vez por todas, sobre as consequências que esta crise sem precedentes deixará no desenho institucional da Região: Autónoma, porém refém de um poder presidencial discricionário que muitos julgam não dever ter; da intervenção de um Representante da República que muitos consideram não dever existir; e de uma Assembleia Regional que, sendo órgão máximo de poder, mais não tem sido do que espectador atento das decisões do Governo Regional. Um desastre institucional que fere a Autonomia, porque a diminui na procura de uma solução para a sua maior crise, deixando-a sem Governo, sem Programa e sem Orçamento por tempo indefinido, com consequências económicas e sociais de imprevisível dimensão.

A salvaguarda da Democracia - num plano político em que já sobram poucas, ou nenhuma dúvida de que apenas eleições, mais cedo ou mais tarde, permitirão clarificar a avaliação que os madeirenses fazem do cenário com que estão confrontados. Mais cedo, no caso da Região, onde o quadro parlamentar atípico que viabilizou uma maioria governativa se degradou profundamente, com exigências crescentes entre parceiros de um acordo parlamentar e de uma coligação de circunstância, contestada pelos seus próprios protagonistas, que apenas a suportam motivados por interesses individuais imediatos e não governativos de longo prazo. Mais tarde, no caso da Câmara Municipal, onde a maioria de vereadores do PSD é suficiente para impedir eleições, mas manifestamente insuficiente para resgatar o Funchal das limitações de um projecto político que já não é nada do que prometeu ser - porque decapitado da liderança; esvaziado dos vereadores do parceiro político que o acompanhou; zangado com os administradores e dirigentes que exonerou; e incapacitado para resolver os problemas que criou, sobrando apenas arrogância e altivez à nova liderança. É no quadro democrático, político e partidário, que os madeirenses e os funchalenses encontrarão, soberana e conscientemente, as soluções para o impasse que agora vivemos, no tempo em que formos chamados a fazê-lo.

Liberdade, Autonomia, Democracia. É reforçando-as, nunca as diminuindo, que seremos capazes de ultrapassar este momento. Todos os agentes públicos sem excepção têm o dever de contribuir para a clarificação do momento que vivemos, nos planos judicial, institucional e político, com verdade, rigor e transparência. Com energia, mas com tranquilidade. Com assertividade, mas sem excessos que tudo confundem e baralham, tratando por igual o que é diferente: os planos, os tempos, os protagonistas. A oposição a um regime com 50 anos, onde se criaram dependências e relações que não foi a Operação Zarco que revelou, porque bem conhecidas dos madeirenses que há muito as intuíram, tem agora uma nova e decisiva oportunidade para, com responsabilidade, afirmar-se definitivamente como alternativa. Uma alternativa construtiva, positiva, promotora do sobressalto cívico que tem faltado, mobilizadora dos madeirenses, desiludidos e insatisfeitos com o quadro a que agora assistem, para um tempo novo. No próximo dia 10 de Março, teremos todos uma primeira oportunidade para nos pronunciarmos: digamos basta, sem dizer chega.