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Fact Check Madeira

Será a reivindicação de um helicóptero para a Madeira algo dos anos mais recentes?

Desde 2020 que a Madeira conta com um helicóptero para combate a incêndios em permanência na Região. 
Desde 2020 que a Madeira conta com um helicóptero para combate a incêndios em permanência na Região. , Foto Arquivo/ASPRESS

Nos tempos mais próximos, tem sido comum e recorrente ouvirmos reivindicar um helicóptero para Madeira, para ser usado no combate aos incêndios, enfatizando as vantagens dessa operação, com provas dadas desde 2018.

Essa reivindicação passou, mais recentemente, sobretudo depois de a Região dispor de um meio aéreo para esse fim, pago a expensas próprias, a recair sobre o pagamento desse montante.

Ainda agora, no fulgor da pré-campanha e campanha para as Eleições Legislativas nacionais, o pagamento do helicóptero por Lisboa voltou à ordem do dia, figurando entre as premissas da coligação ‘Madeira Primeiro’, que junta do PSD/Madeira e o CDS/Madeira nesta corrida a São Bento.

Nas redes sociais não tem faltado quem associe a reivindicação de um helicóptero para a Madeira como algo dos anos mais recentes. Mas, à parte quem paga a factura, será essa uma reivindicação de agora? É isso que vamos procurar perceber.

O uso de helicóptero nas operações de socorro na Madeira, onde se inclui o combate aos incêndios, nem sempre foi consensual ao longo dos anos. Ainda assim, quando algum fogo de maior dimensão causava grande destruição, o assunto vinha ‘à baila’.

Foi o que aconteceu com os incêndios de Agosto de 2010, embora, nos anos 90 esse assunto fosse recorrente, com pormenores que não vamos aqui ter em conta por não contribuírem de sobremaneira para o objectivo a que nos propusemos. Ora, até 2010, e mesmo nos anos seguintes, vigorou a ideia de que estes aparelhos não podiam actuar na Região, devido à sua orografia.

Os incêndios de 2016 vieram reacender a polémica. A presidência do Governo Regional tinha sido entregue a Miguel Albuquerque, em Abril de 2015, tendo este prometido, na campanha eleitoral, apreciar a questão do helicóptero.

Mas só em 2017 foram feitos os testes de voo, a expensas do Governo da República, nomeadamente através da Autoridade Nacional de Protecção Civil, vindo a comprovar-se que o mesmo podia ser utilizado na Madeira. No ano seguinte, em 2018, entre 15 de Junho e 15 de Outubro, a Região passou a dispor de um helicóptero ao cuidado do Serviço Regional de Protecção Civil, que passou a utilizar este equipamento no combate inicial dos incêndios.

Desde então, o Governo Regional tem assumido os custos com a permanência deste meio aéreo na Madeira, primeiro por um período limitado no ano, nos chamados meses de Verão, e mais recentemente, desde 2020, ao longo de todo o ano.

Mas recuando no tempo, ainda no final do antigo regime, foi desencadeado um movimento de cariz popular e solidário com vista à angariação de fundos para aquisição de um helicóptero para ser usado nas operações de socorro.

Em Março de 1974, a queda de neve nos pontos mais altos da Ilha despertou a curiosidade de muitos madeirenses que se fizeram à serra para apreciar as belezas do manto branco, sobretudo na zona do Pico do Areeiro. Entre esses madeirenses esteve um grupo de jovens rapazes da zona do Amparo.

Conforme relatam os jornais da época, no dia 24 de Março, seis jovens, com idades compreendidas entre os 18 e os 20 anos, saíram bem cedo daquela zona da freguesia de São Martinho, no Funchal, com destino ao Pico do Areeiro. O mau tempo, sobretudo o nevoeiro, terá levado a que três deles se desorientassem e se perdessem nas imediações do Pico Cedro, perto do Areeiro.

O facto de não estarem devidamente preparados para enfrentarem as baixas temperaturas registadas então terá contribuído para a sua morte, que só veio a ser confirmada nos dias seguintes, à medida que os seus corpos foram encontrados pelas equipas de resgate dos bombeiros. Dois deles eram irmãos, e foram encontrados, conforme relatado nos jornais da época, abraçados.

Foi na sequência dessa tragédia que a ideia de adquirir um helicóptero para as operações de socorro deu origem à recolha de verbas para esse fim. O equipamento deveria ser entregue aos Bombeiros Voluntários Madeirenses.  

Um helicóptero salvaria os jovens? Em matéria de socorrismo estamos ainda umas linhas abaixo do que seria desejável. É incrível como na ilha em que vivemos, cheia de obstáculos, de curvas e de montanhas, exposta aos mais estranhos perigos, não há ainda um simples helicóptero de salvamento. Máquina imprescindível em casos de extrema gravidade, ainda não foi devidamente considerada pelas entidades responsáveis… existem subsídios para tudo, para todas as espécies de instituições, mas para a compra de um objecto de tão grande utilidade, ainda não houve verba. Nota do editor, na edição do 'Jornal da Madeira', de 27 de Março de 1974

Na sequência dessa nota, no dia seguinte, o mesmo matutino revelava uma ‘carta ao director’, anónima, acompanhada de mil escudos, desafiando o ‘Jornal da Madeira’ a desencadear “uma subscrição e campanha pública para a compra de um helicóptero para o serviço de socorro na Madeira e Porto Santo, o qual desejava que fosse entregue (caso fosse viável) aos Bombeiros Voluntários Madeirenses, que tão abnegadamente vêm servindo a nossa Ilha há dezenas de anos”. Era dado o exemplo de algo semelhante feito em Canárias, referindo que lá a ideia tinha sido lançada pela televisão e tinha sobrado dinheiro.

O 'leitor' deixava indicações quanto ao fim que devia ser dado ao dinheiro, caso, dentro de 90 dias, não fosse conseguida a verba necessária para o efeito. Os Bombeiros Voluntários Madeirenses seriam os beneficiários.

Nas edições seguintes, o ‘Jornal da Madeira’ foi dando conta das verbas conseguidas. Foram organizados concertos e outros espetáculos no Teatro Municipal e no Cine-Parque para angariação de fundos. Não faltaram, também, as iniciativas desportivas, cuja verba reverteria para o mesmo fim. Pelo meio das doações, algum dinheiro era destinado à família dos dois irmãos falecidos.  

Na edição de 28 de Junho foi publicada a ‘sentença’ desta angariação de verbas para a aquisição de um meio aéreo para auxiliar o socorro na Madeira.

Noventa dias eram quantos achava o nosso leitor anónimo necessários para o feliz acabamento da subscrição. Cento e cinquenta contos, trezentos e setenta e três escudos e cinquenta centavos, temo-los depositados na Caixa Económica. Esta quantia, no caso de até às 24 horas de hoje não se registar qualquer outra entrada substancial, nos nossos escritórios, que a venha aumentar consideravelmente, na ordem das dez vezes mais — o que achamos ser possível se... — teremos de cumprir com o prometido. Aos Bombeiros Voluntários Madeirenses que bem o merecem, serão estes milhares de escudos entregues, na presença de representantes do Governo, para cobrir as suas maiores necessidades e valorizar, assim o nosso socorrismo. Nota do editor, na edição do 'Jornal da Madeira', de 28 de Junho de 1974

Apesar de todo o esforço, não foi possível angariar a verba necessária. Ainda assim, foi deixada a ressalva que o “povo madeirense (…) quer um socorrismo sério”, acrescentando que “o helicóptero é uma peça chave desse socorrismo, sobretudo se olharmos à nossa condição de ilhéus”.

Os pouco mais de 150 contos angariados, embora insuficientes para o fim a que se destinavam, representavam, à data, uma quantia já considerável. Tendo em conta que, em 1974, o então criado salário mínimo nacional era de 3.300 escudos, a soma conseguida era superior a 45 ordenados mínimos. Nos dias de hoje, estaríamos a falar de perto de 40 mil euros. O preço do helicóptero era estimado nos três milhões de escudos. 

Embora não tendo sido bem-sucedida, esta iniciativa mostra que, muitos antes dos tempos mais recentes, há precisamente 50 anos, os madeirenses já reivindicavam um helicóptero para a Região, para ser utilizado nas operações de socorro.

Face aos factos relatados, consideramos falsa a afirmação que associa esta reivindicação apenas aos anos mais recentes.

A reivindicação de um helicóptero para a Madeira para ser usado nas operações de socorro é algo dos anos mais recentes.