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O tamanho não importa: a influência internacional das pequenas ilhas

Num mundo cada vez mais interligado, o tamanho não importa para se conseguir gerar influências globais. A receita tem poucos ingredientes: uma causa comum, uma sociedade civil forte, e apoio político.

E foi com esta receita que no passado dia 29 de Março, Vanuatu, uma pequena ilha do pacifico, membro do “Small Island Developing States (SIDS)” (pequenos Estados insulares em desenvolvimento), com uma população de cerca de 300 mil habitantes, abriu a porta para uma nova era da cooperação internacional sobre justiça climática.

Após quatro anos de campanha encabeçada por alunos da faculdade de direito de Vanuatu membros do Pacific Island Students Fighting Climate Change (PISFCC), apoiados por organizações da sociedade civil, e pelo próprio Estado, Vanuatu logrou a aprovação da Resolução da Assembleia Geral da ONU. Esta Resolução veio requerer um parecer consultivo do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), sobre as obrigações dos estados, ao abrigo do direito internacional, de proteger os seus povos, dos impactos causados pelas alterações climáticas, e das obrigações de defesa dos direitos humanos fundamentais de equidade intergeracional na nova época do antropoceno. A resolução foi promovida por Vanuatu com o apoio de 18 países, incluindo Portugal, e contou com a aprovação por unanimidade.

A resolução da Assembleia Geral da ONU foi aprovada no mês em que a ilha foi assolada por dois ciclones e dois terremotos, deixando a sua população em necessidade de ajuda humanitária internacional. O Primeiro-Ministro de Vanuatu, Ishmael Kalsakau, argumentou que desastres naturais desta dimensão são o resultado das toneladas de emissões de gases que causam efeito estufa. Estas afirmações foram apoiadas no sexto relatório de avaliação, do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que foi publicado também no passado mês de Março. O relatório lançou um alerta sobre as consequências das mudanças climáticas, frisando que os oceanos continuarão a aquecer e o gelo continuará a derreter, prevendo-se que o aumento médio do nível do mar seja de 24 a 30 centímetros em 2065 e de 40 a 63 centímetros em 2100 em relação ao período de referência de 1986-2005.

Estas repercussões irão afectar em primeira linha as pequenas ilhas, que muito embora sejam das regiões menos poluidoras, são as mais afetadas pelos impactos ambientais causados pelo aumento de poluição. Ciente das graves repercussões para o seu território e para a sua população, Vanuatu investiu no seu posicionamento internacional no sentido de gerar políticas globais que protejam os seus interesses.

O parecer do Tribunal Internacional de Justiça é meramente consultivo, resultando num aconselhamento jurídico às Nações Unidas, mas terá peso no sentido de responsabilização governamental pelas promessas crivadas nos diferentes acordos internacionais e cimeiras sobre as alterações climáticas. Também constituirá uma boa base nas negociações climáticas em fóruns multilaterais, podendo ser referenciado em litígios ligados às alterações climáticas de direito nacional. Foi neste contexto que Vanuatu identificou essa via como um ponto de entrada para o seu posicionamento político e para apresentar na agenda internacional do novo tópico de justiça climática.

Para Vanuatu, uma pequena ilha do Pacífico sul, o sucesso diplomático é inegável. Para o arquipélago da Madeira, fica a lição da enorme influência que pequenas ilhas, com pequenas economias e um número reduzido de habitantes, pode gerar no contexto internacional, desde que perseguidas em simbiose por uma sociedade civil forte e intervencionista e uma classe política visionária.

Um caso inspirador para a RAM que reforça o caminho já apontado no meu artigo do DN do passado dia 10 de março: Madeira: a travessia do Atlântico para as Nações Unidas depois da União Europeia?