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Precariedade e censura afectam jornalistas venezuelanos em ambiente hostil às mulheres

Foto Shutterstock
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Os jornalistas da Venezuela vivem com dificuldades no acesso à informação, crescente precariedade, falta de proteção judicial, censura e autocensura, num ambiente cada vez mais hostil às mulheres, referiram profissionais do setor em declarações à agência Lusa.

"Enfrentamos muitos desafios, mas o principal e mais difícil é o acesso à informação. Há uma política de opacidade intencional por parte da estrutura do poder. Outro problema é a precariedade extremamente grave, que obriga a fazer malabarismos e a ocupar-se de muitas questões de sobrevivência num país movido pela urgência", disse a editora e professora universitária Gabriela Rojas à Agência Lusa.

Há ainda que solucionar problemas elementares, como a falta de água e comida, o que leva jornalistas a terem que ter até quatro trabalhos para conseguirem sobreviver.

"Temos muitos problemas de censura e outras formas de censura, como o assédio judicial, a compra de meios de comunicação social que levou muitos a mudarem as linhas editoriais e agora os jornalistas autocensuram-se, porque ninguém quer ir preso num país onde há falta de proteção judicial", disse, vincando que "muitos foram obrigados a abandonar o país".

"A crise humanitária tem afetado as mulheres de forma diferenciada e deixou uma lacuna significativa na vida das profissionais, que tiveram de migrar para empregos informais ou de se sobrecarregar de trabalho (...) As mulheres jornalistas estão em ambientes cada vez mais hostis, em situações precárias e mais expostas à violência do que os homens", relatou.

Gabriela Rojas diz que "no caso venezuelano, a ideia da mulher guerreira, tornou-se uma armadilha em que são sobrecarregadas com muito trabalho e responsabilidades o que as torna mais precárias e mais suscetíveis às linhas de pobreza" e que "as professoras tiveram de sair a fazer bolos, manicuras e pedicuras porque não podiam viver do seu salário".

Explicou que há problemas, mas muita gente a tentar resolvê-los, que há um discurso de grave crise, de riscos para a democracia, mas há também uma sociedade que, perante a ausência do Estado, aporta soluções.

"Há a ideia muito desanimadora de que o país está a ir-se embora, que há 7 milhões de venezuelanos no estrangeiro e que todos emigraram, mas aqui há gente que trabalha, que se levanta todos os dias, que luta muito", disse.

A jornalista e consultora Yelitza Linares apontou que "a hegemonia comunicacional tem sido muito bem executada pelo Governo, que tem aplicado estratégias muito sofisticadas, como não subsidiar a compra de papel ou tinta para imprimir os jornais, bloquear portais de notícias, ou comprar meios de comunicação".

Referiu que os jornalistas que discordavam da linha editorial abandonaram grandes jornais como o El Nacional, Últimas Notícias ou El Universal.

"Na Venezuela há um grande ecossistema de empreendimentos digitais, mas ainda há muitos desertos de informação, especialmente nas regiões (...) o IPYS quer formar jornalistas, dar-lhes novas competências para que empreendam e criem soluções", frisou.

Segundo Yelitza Mendez, na Venezuela "só se podia aceder aos dólares oficiais (atribuídos pelo executivo) e o Governo mantinha dessa forma o controlo (...) mas também o fazia através da publicidade, porque expropriava os bancos, que deixavam de publicar anúncios".

"Em comparação com outros países onde há mais machismo, temos um grande número de mulheres nas redações, mas não a dirigir os meios de comunicação social, porque há ainda um maior controlo de parte dos homens. No entanto, lideramos cada vez mais projetos. O ideal é que haja mulheres e homens, porque isso dá uma visão mais pluralista do conteúdo", disse.

Segundo esta jornalista. "as venezuelanas em geral vivem sob pressões, aguentam-nas e sabem como reagir a elas", inclusive "muitas de homens, o que está enraizado na cultura".

"temos de lidar com isso de forma criativa e empática", defendeu.

Yelitza Mendez disse ainda que "há muitas coisas para fazer na Venezuela, porque faltam meios de comunicação de nicho, que cubram as comunidades, as regiões" nas diferentes plataformas.

"Infelizmente, grandes meios de comunicação social, como El Universal e o Últimas Noticias, que tinham uma grande penetração, continuam controlados pelo Governo", frisou, sublinhando que o El Nacional e alguns jornais regionais continuam a lutar, a informar em outras plataformas.