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O ativismo fácil

O maior problema desta vaga de ativismo, na verdade, é bem mais óbvio e não se cinge apenas a Portugal

Na minha infância lembro-me de ver na televisão programas infantis que realçavam bastante a importância de cuidar do meio ambiente, o dano que estava a ocorrer na camada de ozono e a ameaça das chuvas ácidas. Como agora se vê, estes problemas não foram ignorados de modo que a camada de ozono começou a se regenerar e a frequência com que as chuvas ácidas ocorrem diminuiu de forma significativa, duas melhorias que ocorreram devido à vontade política e à consciência social para o problema.

Na atualidade enfrentamos o problema das alterações climáticas, uma situação compreendida pela vasta maioria da população ao ponto de que apenas uma minoria nega totalmente a influência humana neste fenómeno. Apesar disto, os atuais ativistas portugueses do ambiente parecem acreditar que só eles percebem que o nosso planeta está a sofrer e que são eles que estão destinados a alertar o resto da população que parece não ter “reparado” no quão extremas têm sido as temperaturas em território nacional, nos 89% do país em estado de seca nem nos incêndios que nos fustigam anualmente.

Nestes últimos meses, um movimento tem sido bastante notório no seu ativismo, o “Fim Ao Fóssil: Ocupa.”. Tem-se destacado pelas ocupações a vários institutos de ensino de norte a sul do país impedindo o seu normal funcionamento para exigir o fim do uso de combustíveis fósseis. Apesar de ser óbvio a toda a população de que é uma causa urgente – embora, apenas uma de muitas na atualidade – fará sentido ocupar escolas e faculdades, instituições que não são orgãos de poder? Uma pergunta retórica já que com este tipo de ação que afeta mais uma comunidade (alunos e quadros escolares) do que um Governo, apenas se ridiculariza o problema. Quer se queira quer não, estas instituições servem para alguma coisa e, para responder às palavras “nós somos estudantes, não somos cientistas que têm que estar a explicar as soluções”, proferidas por uma jovem ativista que participou numa ação de ocupação da sua escola (uma ocupação apenas parcial), convém que as instituições de ensino funcionem para que a ciência se desenvolva e para que respostas multilaterais sejam dadas porque a transição energética não é um processo simples nem afeta apenas os lucros dos CEOs das grandes empresas energéticas.

“Ativismos” há muitos e em abril ocorreu um outro caso que demonstrou que existem formas de agir que, ao produzirem melhores resultados, passam também uma mensagem mais útil e menos passivo-agressiva do que o habitual. Este foi o caso do alemão Andreas Noe, um ativista de relevo que organizou uma ação de limpeza de beatas de cigarro no centro de Lisboa, tendo estas sido posteriormente juntas na Praça do Comércio – foi um total de 650 mil beatas. Repare-se que esta forma de ação é de tal forma eficaz que, mesmo que a mensagem não seja absorvida pela comunidade, foram menos aquelas beatas que poluiram as ruas da capital.

O maior problema desta vaga de ativismo, na verdade, é bem mais óbvio e não se cinge apenas a Portugal. Falo da lógica que se cimentou no ativismo climático, mais do que em qualquer outro, de que afetar a sociedade civil é a forma legítima de tentar provocar uma reação na força governativa em vez de ir diretamente à última. Veja-se de tantos protestos climáticos que têm ocorrido em estabelecimentos de ensino, quantos ocorreram em frente a instituições de poder? Nenhum, tanto quanto se sabe. E quantos protestos ocorreram contra governantes? Um que envolveu três jovens mostrarem o rabo a António Costa e que, por ter antecedido a vaga de ocupações, já a tinha pintado de particular imaturidade.

A propósito de tais atitudes, que vão da ocupação de instituições de ensino à destruição de obras de arte no estrangeiro, relembre-se que o ativismo, além de pedagógico, deve evitar cair no ridículo e na infantilidade, caso contrário perde na causa que tanto defende. E aí todo o planeta perde também.