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Doce e belo

Nesta Guerra da Ucrânia abundam as acusações, infelizmente justificadas

Dulce et decorum est pro patria mori – é doce e belo morrer pela Pátria. Esta locução latina é, ainda hoje, o lema do brasão de armas da nossa Academia Militar.

Mas há quem o conteste. Não tanto pela desvalorização das virtudes castrenses, fruto das variações de conceitos da nossa época, mas por uma abordagem mais pragmática, que nos chega de outras paragens.

O general americano George Smith Patton (1885-1945) ficou conhecido durante a II Guerra Mundial, e nem sempre pelas melhores razões. Irreverente e determinado, causou engulhos a muita gente. E, numa das suas célebres tiradas, disse que “o dever do soldado não é morrer pela Pátria; é fazer com que o inimigo morra pela Pátria dele”.

Assim se enterra qualquer romantismo, remetendo o conflito armado às suas verdadeiras dimensões.

A guerra, aquele monstro, como escreveu o Padre António de Vieira, voltou à Europa, que se julgava imunizada contra tal fenómeno.

E lá recomeçamos com a litania das acusações, queixas e lamentações, talvez esquecendo a velha máxima francesa, à la guerre comme à la guerre; ou, mais ao jeito português, guerra é guerra.

Carl von Clausewitz ensinou que, sendo a guerra a ascensão aos extremos, o humanitarismo não tinha sentido; admitia, no entanto, que a forma como se tratava o adversário tinha reflexos no sentido oposto. O humanitarismo moderno na guerra tem aí a sua origem: não por boas intenções, mas por interesse pragmático.

Nesta Guerra da Ucrânia abundam as acusações, infelizmente justificadas. Assistimos a uma ascensão, ainda não (até quando?) aos últimos extremos, mas a uma violência inusitada. E ao paulatino aumento da letalidade dos meios empregues.

Veio agora o Reino Unido anunciar o fornecimento de munições de urânio empobrecido. Não é uma grande escalada. As munições anticarro de energia cinética (não explosivas) baseiam-se na massa (m) e no quadrado da velocidade (v2). Não se podendo aumentar a velocidade, aumenta-se a massa. Assim, um projéctil de aço, com a densidade de 7,9, tem menos de metade da energia de um projéctil de tungsténio (19,3) ou de urânio (19,1). Ora, sendo o tungsténio usado largamente na indústria, em ligas diversas, e o urânio apenas para extrair o isótopo U235, radioactivo, o que fazer como U238, dito empobrecido? Munições anticarro, por exemplo.

Só que, sendo um metal pesado, o uso do urânio tem consequências, como o chumbo, o mercúrio ou o estanho.

Daí que, nos EUA, as munições de urânio só podem ser utilizadas em combate, naturalmente em terra alheia.

Aos que morrem pela Pátria deles, nem se põe a questão de envenenamento por metais pesados, face à morte instantânea por um tiro directo no seu blindado. Resta a contaminação dos solos e águas – na terra deles.

Durante a Guerra do Iraque, muito se falou do síndroma da Guerra do Golfo. A verdade oficiosa remetia a sua origem para o urânio empobrecido. Pouco credível, porquanto a contaminação não atingiria as tropas aliadas, ali de passagem.

Nunca se esclareceu devidamente o que aquilo era. Há muitas teorias, entre as quais as da conspiração, como é costume.

Mas uma coisa é certa: as tais munições podem bem vir a ser empregues na Ucrânia, passando a questão da contaminação, não para o território deles, mas para o dos nossos aliados…

O que interessa é a que o inimigo morra pela Pátria dele. E os outros?