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Prender Putin seria "declaração de guerra" a Moscovo

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Uma detenção do Presidente da Rússia, Vladimir Putin, por um país estrangeiro após o mandado de prisão emitido na semana passada pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) equivaleria a "declarar guerra" a Moscovo, avisou hoje um ex-chefe de Estado russo.

"Vamos imaginar a coisa [...]: O chefe de Estado de uma potência nuclear efetua uma visita, por exemplo, à Alemanha e é preso. O que é isso? É uma declaração de guerra contra a Rússia", declarou Dmitry Medvedev, atual "número dois" do Conselho de Segurança da Rússia, liderado por Putin.

Questionado sobre o que faria Moscovo se tal acontecesse, Medvedev, conhecido pelas frequentes afirmações contundentes, foi claro na resposta: "Todas as nossas capacidades, mísseis e outros, cairão sobre o 'Bundestag' [Parlamento alemão] , sobre o gabinete do ministro dos Negócios Estrangeiros e assim por diante".

As palavras de Medvedev, que presidiu a Rússia entre 2008 e 2012, surgem depois de o TPI, com sede em Haia, ter emitido há uma semana um mandado de prisão para Putin pelo crime de guerra de "deportar" crianças ucranianas como parte da ofensiva de Moscovo contra a Ucrânia.

Na quarta-feira, o TPI denunciou as "ameaças" emanadas de Moscovo, depois de a justiça russa anunciar a abertura de uma investigação criminal contra vários dos juízes do tribunal penal internacional, entre eles o procurador-geral, Karim Khan.

No início desta semana, Medvedev já tinha ameaçado o TPI com um ataque com mísseis, convidando os magistrados da instituição a "olhar cuidadosamente para o céu".

A Rússia, que não reconhece a jurisdição do TPI, descreveu o mandado de prisão de Putin como "nulo e sem efeito".

Declarando que relações da Rússia com o Ocidente chegaram ao "fundo do poço", Medvedev salientou que a ameaça de um conflito nuclear não diminuiu.

"Não, não diminuiu, aumentou. Todos os dias, quando [os países ocidentais] fornecem armas estrangeiras à Ucrânia, o apocalipse nuclear aproxima-se", disse o Medvedev, que tem criticado, com frequência e de forma veemente, os Estados Unidos e os aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) pelo que descreveu como "esforços para dividir e destruir a Rússia". 

Para a agência noticiosa Associated Press (AP), as constantes declarações de Medvedev têm demonstrado "uma metamorfose drástica" para "um político de aparência gentil, que já foi aclamado pelo Ocidente como uma esperança liberal".

Medvedev também desafiou a soberania da Ucrânia em comentários que podem refletir os planos de Moscovo para estender a influência na região.

"Falando honestamente, a Ucrânia faz parte da Rússia. Mas, devido a razões geopolíticas e ao curso da história, acabamos por tolerar a ideia de que vivíamos em bairros separados e que fomos forçados a reconhecer durante muito tempo essas fronteiras inventadas", afirmou Medvedev.

"Não tenho ilusões de que poderíamos comunicar novamente [com Kiev] em breve. Não faz sentido negociar com certos países e blocos, que só entendem a linguagem da força", prosseguiu 

Medvedev, que chefia um painel do Conselho de Segurança russo que coordena a produção de armas, ridicularizou as declarações ocidentais, que afirmam que a Rússia está a ficar sem armas e que indústrias russas de armas foram obrigadas a aumentar a produção.

Medvedev indicou, a este propósito, que a Rússia irá produzir 1.500 tanques de batalha ao longo de 2023 e que aumentará a produção de outras armas para atender às necessidades do exército, dados que, disse a AP, não se conseguem confirmar de forma independente.

"O mais importante agora é produzir tudo na quantidade necessária e estamos a construir novas fábricas para fazer isso", disse Medvedev, sublinhando que os militares russos já possuem "bons 'drones'" (aparelhos voadores não tripulados) para obtenção de informações no terreno e de um leque variado de munições.

No entanto, reconheceu que ainda não estão a ser implementados 'drones' de ataque de longo alcance.

Quarta-feira, o TPI já tinha condenado as "ameaças" russas.

A Presidência da Assembleia dos Estados Partes do TPI, órgão legislativo que reúne os 123 membros, revelou que houve "ameaças" contra o tribunal e "medidas anunciadas contra o procurador-geral e contra juízes envolvidos na emissão de mandados de captura relacionados com a situação na Ucrânia".

A Rússia anunciou na segunda-feira a abertura de uma investigação criminal contra o procurador e três juízes do TPI, após a emissão por aquela instância judicial de um mandado de captura de Putin e da sua comissária para os direitos da criança, Maria Lvova-Belova.

Num comunicado, o órgão legislativo do TPI lamentou as "tentativas de obstruir esforços internacionais que pretendem garantir a responsabilização por atos proibidos pelo direito internacional geral" e "reiterou igualmente a sua plena confiança no tribunal".

O procurador-geral do TPI Karim Khan, que está há mais de um ano a investigar eventuais crimes de guerra ou contra a humanidade cometidos durante a ofensiva russa na Ucrânia, que já entrou no seu segundo ano, declarou que o número de presumíveis deportações de crianças ucranianas para a Rússia ou territórios que ela controla "alcança os milhares".

Segundo Kiev, mais de 16.000 crianças ucranianas foram deportadas para a Rússia desde o início da invasão russa da Ucrânia, a 24 de fevereiro de 2022, muitas das quais foram colocadas em instituições e famílias de acolhimento.